Impossível regresso
A profilaxia
de um dia normal da nossa vida, para expurgar da mente o mau-humor, o desânimo,
o medo do fracasso e a tristeza, deve começar logo ao despertar. A primeira
atitude sadia que devemos tomar é a de agradecer a Deus (ou à natureza para
quem não crê nessa entidade superior) pelo privilégio de estarmos vivos.
Poderíamos não estar. O segundo passo é
o de cumprimentar quem cruzar em nosso caminho – cônjuge, filhos, empregada, vizinho ou um
mero desconhecido – com amabilidade e um sorriso espontâneo nos lábios. O
terceiro, é mentalizar que seremos bem-sucedidos em tudo o que tivermos de
fazer, principalmente as coisas difíceis e os relacionamentos complicados. Há
muitas coisas mais, porém estas três providências já farão a diferença a nosso
favor.
Charles
Baudelaire afirmou que “existem
manhãs em que abrimos a janela e temos a impressão de que o dia nos está
esperando”. Eu diria que todo amanhecer é um convite da vida para que a
usufruamos com plenitude. O bom-humor pode não resolver todos nossos problemas
(às vezes não resolve nenhum), mas evita, pelo menos, que eles se agravem. Por
isso, sempre vale a pena.
A amabilidade, por seu turno, cria uma
predisposição, nas pessoas com que nos relacionamos, ou com as quais,
eventualmente, venhamos a cruzar, positiva, favorável ou, na pior das
hipóteses, neutra. Não podemos esperar boa-vontade de quem tratamos com
arrogância, desprezo ou pouco-caso, nem dos que encaramos carrancudos, como se
o mundo tivesse alguma coisa a ver com os nossos problemas e frustrações. Às
vezes, até tem, mas não será dessa forma que conseguiremos ajuda para sairmos
de pequenas ou de enormes enrascadas, não importa.
Finalmente, se encararmos a vida com
hostilidade, ela, de fato, nos será hostil. Aliás, nem é necessário que a
encaremos dessa maneira para toparmos com obstáculos mil e dificuldades de toda
a sorte em nosso caminho. Ela, por si só, já é complicada o suficiente, é um
desafio permanente, um teste constante à nossa paciência e às nossas
habilidades e convicções, sem que precisemos agravar ainda mais o seu grau de
dificuldade.
Não será, contudo, com medos
irracionais e com pessimismos prévios e despropositados que conseguiremos uma
travessia suave, já não digo de anos, de décadas, de longos períodos, mas de um
mísero e passageiro dia. Se iniciarmos uma tarefa, qualquer que seja, achando,
no íntimo, que não seremos capazes de levar a cabo essa empreitada com
competência e com sucesso, é melhor nem tentarmos realizá-la. O mesmo vale para
relacionamentos de qualquer natureza. Será mera perda de tempo e de esforço.
Em geral, não valorizamos nossos dias,
achando, inconscientemente, que teremos muitos e muitos outros pela frente para
compensar os que forem desperdiçados. Até poderemos ter, mas de nada nos
valerão se não soubermos o que fazer com eles. Vemos, a todo o momento, o
cavalo das oportunidades passar selado à nossa frente, sem que o montemos e
galopemos rumo ao sucesso e à satisfação pessoal de sermos úteis e produtivos.
É possível que passem muitos outros e que montemos, em determinado momento, em
um deles. O mais provável, contudo, é que o que passou seja o único, ou então o
último. Para que arriscar?
Cada dia perdido é irrecuperável. Pode
ser mais um, de muitos, na nossa vida, mas também tem possibilidades concretas
de ser o derradeiro da nossa existência. Nunca saberemos. A volta ao passado é
até possível, mas somente na ficção (há um filme famoso que trata disso) ou na
memória. Ele não é mais um tempo de ação, mas somente de reflexão e de
recordação. Cyro dos Anjos faz essa constatação, que coloca na boca de um
personagem, no livro “Dois romances”, da seguinte maneira: “Inútil tentativa de
viajar o passado, penetrar no mundo que já morreu e que, ai de nós, se nos
tornou interdito, desde que deixou de existir, como presente, e se arremessou
para trás”.
Da minha parte, sou mais incisivo que o
excelente escritor mineiro, embora o que afirme não passe do “óbvio ululante”
(como diria o saudoso Nelson Rodrigues): este é um regresso impossível! Daí a
necessidade de encararmos cada dia, seja ele qual for, como se fosse único.
Como se o prazo de nossas vidas fosse limitado a meras 24 horas, do nascimento
à morte, passando pela infância, adolescência, maturidade, reprodução e
justificação da nossa passagem pelo mundo, com uma obra sólida e inesquecível.
Afinal, como afirmou, certa ocasião, William Faulkner, “o presente começou 10
mil anos atrás, mas o passado começou há um minuto”. Também retifico sua
afirmação e asseguro que ele teve início há ínfima fração infinitesimal de
segundo. Aliás, nunca pára de começar!
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
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