Duzentos milhões em ação
* Por
Clóvis Campêlo
Éramos muitos pequenos
ainda, mas já participávamos do clima reinante de euforia. Tudo nos parecia
azul, inclusive o muro de combogós da casa da velha Anunciada, que ficava em
frente à casa dos meus pais. A goleada já se anunciava quando decidimos pular
na areia de cima do muro citado. Meu irmão Carlinhos, com apenas quatro anos de
idade, deu-se mal com uma luxação no braço. Dona Tereza, minha mãe, achou que
eu, por ser o mais velho, deveria ser responsabilizado pelo acontecido. Assim,
antes do encerramento do tempo regulamentar, ganhei umas chineladas. Foi dessa
maneira, apanhando, enquanto Didi, Pelé, Vavá e companhia bailavam na Europa,
que ganhei a minha primeira Copa do Mundo, em 1958.
Em 1962, mais
experiente, não me arrisquei a tanto. Além do mais, com uma crise de
furunculose na coxa esquerda não teria a mesma mobilidade. Após o jogo e a
vitória contra a Checoslováquia, lembro do meu pai comentando com João Amaral,
um dos vizinhos, o feito inacreditável da seleção brasileira de futebol
conquistando o bi mundial. Mas também foi chorando feito o menino que eu era
que comemorei o título. Não só pela emoção reinante no ar, mas também por ter
“magoado” as perebas durante a comemoração de um dos nossos gols. Mas tudo era
alegria.
Em 1970, quando do tri,
já era homem feito e servindo a gloriosa Força Aérea Brasileira. Foi a primeira
Copa televisionada diretamente para nós, brasileiros, ainda em preto e branco.
Alguns dos jogos da nossa seleção, assisti na Base Aérea do Recife, em serviço.
Mas a grande final, contra a Itália de Gigi Riva, assisti na cada dos pais de
um amigo, na Rua Comendador Morais, no Pina, que ficava na esquina da rua da
zona famosa, do baixo meretrício. Findo o jogo e ganho o tri de forma
contundente, só nos restava os salões de Alaíde Drinks, nossa pensão preferida,
com sua radiola de fichas, para a comemoração. O meu irmão Carlinhos (fiel
escudeiro, como sempre ao meu lado em mais uma final de Copa do Mundo) entrou
no salão com uma bandeira enorme do Brasil, que logo se enrolou em um dos
ventiladores de teto, causando uma pequena confusão. Contornado o imbróglio
(afinal tudo era motivo para festa), mergulhamos na cerveja e na alegria, ao
lado das raparigas e dos outros clientes. Aos dezoito anos de idade, ninguém
tem motivo suficiente para ser infeliz. E, afinal de contas, éramos tricampeões
mundiais de futebol, espantando de vez o complexo de vira-latas a que se referia
com tanta propriedade o escritor Nélson Rodrigues.
Nem na época do regime
de exceção, na época da ditadura militar, sob a tutela de quem conquistamos o
histórico título, coloquei-me contra a seleção brasileira de futebol, como
alguns o fizeram. Afinal, conforme mais uma afirmação rodrigueana, a seleção
brasileira era a pátria de chuteiras. O povo brasileiro referendou aquela
conquista e eu, que também sou brasileiro, fui atrás com orgulho e satisfação.
Se depender de mim,
este ano, seremos duzentos milhões em ação!
Poeta,
jornalista e radialista, blogs:
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