quinta-feira, 8 de maio de 2014

Ah, esse maldito preconceito!

* Por Mara Narciso

O preconceito é ensinado por você, cotidianamente às suas crianças. Combatê-lo é uma areia movediça que pode fazer afundar até o mais sensato defensor da igualdade entre os mortais. Sem perceber, mesmo quem esteja atento, acaba por alimentar o que pretendia vencer. Quando as palavras dizem uma coisa e a entonação diz outra, é porque seu caso é grave e você é um hipócrita. Pouco importa o que você pensa, e não é saudável ter preconceito contra o que vai em sua cabeça. A discriminação é livre, porém, manifestar isso, é coisa governada por leis, e elas estão valendo.

Caso você, por ser atleticano se sinta melhor do que o outro, por aquele ser cruzeirense, cuidado, esse preconceito é um mau indício. Ou então, por você ser gay, se achar superior a uma mulher, preste atenção, o seu caso é preocupante. A sua pele é mais clara do que a de alguém, e você, mesmo sem confessar, sente-se no íntimo melhor do que o de pele mais escura, esteja alerta, haverá um de pele mais clara que a sua. Socialmente, a pirâmide é ainda mais complexa. O rico de Montes Claros será pobre em Belo Horizonte, que será pobre em São Paulo, que será pobre em Nova York.

Quanto às doenças, é bom nem começar. Evite rotular quem esteja com moléstias infecciosas, mentais, degenerativas, autoimunes ou potencialmente fatais. Pessoas não são doenças, estão com elas, apenas. Algo, hoje tido como defeito, que não seja visto dessa maneira, mas apenas como uma característica daquela pessoa. E que o filho seja apenas filho, e os pais sejam apenas pais, bons filhos, bons pais, sem outras qualificações. E que ser mestre ou doutor seja uma especificação para o trabalho e não uma classificação honorífica como reis e príncipes, e entre os militares, que a patente seja interna e não título para privilégio, assim como cargos como juiz e delegado.

Imoral será sentir-se melhor do que um estrangeiro apenas por ser brasileiro, e não se está falando de futebol, mas de nacionalidade. Há quem se sinta mais importante do que alguém do Afeganistão, e tenha certeza que o americano se sinta superior a qualquer brasileiro. Pela manifestação das torcidas de futebol, os europeus percebem-se com mais qualidade do que quem nasceu no Brasil. E brasileiros radicados em São Paulo, mesmo os não nativos, sentem que estão acima dos nordestinos.

Há quem diga que o dinheiro clareia a pele e faz desaparecer o preconceito racial ou social. Mas quem observar em detalhe verá que isso é um discurso, não realidade. No Brasil o cabelo, mais do que a cor da pele, determina a condição da pessoa, e como ela deverá ser tratada numa loja de shopping, por exemplo, haja vista a obsessão das brasileiras em alisar os cabelos e clareá-los, para assim subir na escala social. É uma maneira de comprar respeito e driblar ofensas. Só vira a cara de lado e não aceita essa explicação como usual, quem nunca sofreu discriminação de cor e de classe, por ser pobre, ter pele escura, estar mal vestido ou executar serviços braçais.

Não há regra nem ação infalível, mas, a maneira equivocada de tentar reduzir o preconceito é se irritando com ele, pois assim municiará o agressor, ou negando ser o que realmente é. Em contrapartida, junte testemunhas e faça valer a lei. Discutir e se fazer de coitado, em qualquer circunstância o fará fraco e será visto como incapaz.

Há quem sinta que alguém seja inferior a ele por acreditar nisso ou naquilo, assim, olha por cima, faz pouco caso, ou ainda menos sutil, despreza quem não crê em nada. As crenças e descrenças não deveriam desnivelar ninguém, e sim o comportamento moral.

Caso você pretenda minimizar o preconceito de idade e se sinta com maior capacidade do que alguém mais velho do que você, possivelmente está no caminho errado, e em dez anos provará do seu veneno. É preciso alterar o pensamento para que um dia os comportamentos mudem. O Brasil está ficando velho, e quem não morrer jovem, ficará velho.

Não digam que as mulheres mal humoradas estão precisando de homem, e nem que as nervosas estão com TPM, e muito menos que as que sentem calor estão na menopausa. Atentem que, discriminações ocorridas há 40 anos e que hoje parecem absurdas, como a atriz Leila Diniz ter sido chamada de prostituta por ir à praia de biquíni, mostrando a barriga grávida, e ter dado entrevista falando que gostava de sexo, nos mostram que, ensinando outras atitudes às crianças, histórias de jogadores ofendidos, comendo banana em campo serão lendas. Ninguém conseguirá compreender por que isso aconteceu. A maneira de pensar passará a anos luz e este fato será incompreensível para os que vierem depois.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


2 comentários:

  1. Dentre tantos tipos elencados no seu texto, quem não tiver algum preconceito que atire a primeira pedra... muito bom texto, Mara.

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  2. Temos, não negamos. É preciso que não haja fingimento, e que haja respeito.

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