terça-feira, 25 de junho de 2013

Trabalho duro

  
As rápidas transformações, ditadas pela evolução tecnológica – em especial a das comunicações – mudando o enfoque do trabalho, fechando empregos tradicionais e abrindo perspectivas promissoras em outros setores ainda a serem explorados (como os da informação e das artes), exigem uma revisão criteriosa, e urgente, no conceito e na maneira de tratar o ensino.

Os currículos, por exemplo, precisam ser drasticamente reformados, modernizados, adaptados à realidade atual. A filosofia da educação tem que ser revista para se adequar às atuais necessidades. E o acesso ao conhecimento precisa ser o mais universal possível, para que não se estabeleçam "castas", como ainda ocorre agora. Estas exigências contemporâneas impõem, acima de tudo, um novo tipo de professor. O mestre não pode mais se limitar àquele papel convencional que sempre lhe foi atribuído, que todos conhecemos, de mero transmissor de informações que qualquer garoto curioso obtém com facilidade através da Internet. Basta acessar o Google, por exemplo, que o acesso será farto e imediato.

A tarefa do novo docente passa, ou tem que passar,  a ser a de estimular o raciocínio dos alunos. Ou seja, a de "ensiná-lo" a pensar, fornecendo-lhe indicações de como fazer para disciplinar o pensamento, despertando a criatividade latente que certamente traz dentro de si. E, sobretudo, como se expressar corretamente em seu idioma e como utilizar as informações disponíveis. No entanto, embora crescentemente exigido, o "novo professor" continua às voltas com velhos problemas, impedindo que se recicle e se atualize para fazer frente aos desafios que os tempos atuais lhe impõem. O maior deles, embora longe de ser o único, é o de como prover a própria subsistência, diante dos salários irrisórios, para não dizer indignos, que recebe.

Essa estagnação, quando não erosão salarial, ao contrário do que se supõe, não é prerrogativa brasileira. Aliás, no Brasil, pelo menos se vislumbra alguma possibilidade, posto que muito remota, de revalorização do magistério. Por enquanto, porém, a coisa não saiu do papel, do terreno das especulações, reivindicações, propostas e contrapropostas. Mas, como diria Cazuza, “o tempo não pára”.

Li, tempos atrás (na verdade, há quase 17 anos), no boletim mensal do Centro de Informação das Nações Unidas, "ONU em Foco", que recebia na redação do jornal em que trabalhava, o “Correio Popular” de Campinas, referente a setembro de 1996, que a situação dos professores no mundo era, salvo raras exceções, no mínimo dramática. Não disponho de dados recentes, mas há indicativos de que, na maioria dos casos, ela se deteriorou ainda mais. Infelizmente. O texto a que me refiro é intitulado "Trabalho Duro". O redator destacou que a situação dos professores, no que diz respeito somente à remuneração, havia chegado a um ponto "intoleravelmente baixo". O articulista chegou a essa conclusão, com base em dados da Organização Internacional do Trabalho da época. E, reitero, o quadro que o autor do artigo descreve é, hoje, quase duas décadas depois, muito pior.

O informativo cita relatório da OIT onde eram enfatizados exemplos sobre um profundo achatamento salarial dos docentes. Um dos casos mencionados foi o da Argentina. No país vizinho, os salários dos professores equivaliam, em 1993 (data do levantamento), à metade dos que eram recebidos em 1981. Não me consta que essa situação tenha melhorado. Pelo menos não muito.

A Organização Internacional do Trabalho enfatizou que a erosão salarial era a regra, não a exceção, em todo o chamado Terceiro Mundo, justamente a região do Planeta mais carente de educação (e de saúde, energia, emprego etc.) sem a qual é impossível a saída do subdesenvolvimento econômico e, por conseqüência, social. Infelizmente, ao que tudo indica, continua sendo.

Outro exemplo mencionado no boletim foi o do Quênia, na África, onde o poder aquisitivo dos professores havia caído 30% naquela década. E os casos poderiam ser repetidos, mudando-se apenas o nome do país ou da região, com resultados bastante parecidos. Ou seja, a desvalorização do magistério e, sobretudo, do seu principal agente, sem o qual sequer existe, cavalgava a rédeas soltas.

A primeira conseqüência da baixa remuneração é a evasão dos profissionais do ensino para outras atividades mais rentáveis. É o mínimo que se poderia esperar. Afinal, por maior que seja a vocação do sujeito para lecionar, ele tem que se preocupar, antes de tudo, com o próprio sustento e com o da família. O magistério tornou-se, em muitos lugares, mero "bico" de estudantes universitários, que dão aulas apenas para suplementar o orçamento e garantir pequenas despesas pessoais, enquanto cursam faculdade.

Se os salários eram (e são) baixos e, para piorar, estão em queda em termos reais, no que se refere às condições de trabalho as coisas não estão muito melhores. E em lugar algum. O citado boletim da ONU mencionou que no Senegal, por exemplo, por falta de escolas, os professores eram obrigados a dar aulas para classes de até cem alunos, conforme o relatório da OIT (no Brasil isso é rotina). E muitas vezes, o recinto era absolutamente inapropriado, representado por galpões adaptados, ranchos e até "containners" (as tais “escolas de lata”), quando não em praças públicas. Isso não lembra um certo país tropical, “abençoado por Deus, e bonito por natureza”? Ora, ora, ora.

Representantes de governos de países do Terceiro Mundo argumentam que fazem o possível para valorizar o profissional de ensino. A então consultora do Unicef, Rosa Maria Torres, constatou, na oportunidade, em entrevista à imprensa, que em muitos Estados em vias de desenvolvimento, "os salários dos professores consomem até 95% do orçamento público com educação”. Qualquer elevação no nível de remuneração, portanto, implicaria necessariamente em maiores investimentos. Só que tais países não contam com recursos para investir. Muito pelo contrário. Vão tirar dinheiro de onde? Do aumento de impostos? De empréstimos externos? De doações?

Mal-remunerados, os professores escasseiam, quando o necessário é que seu número aumente (estimativas da Unesco dão conta de que o Terceiro Mundo precisa de 30 milhões de novos docentes, em especial no ensino básico, apenas para equilibrar o crescimento populacional). Por falta de mestres, muitas crianças deixam de freqüentar escolas (e não me refiro, apenas, ao Brasil). Com isso, aumenta a quantidade de analfabetos e semi-analfabetos, portanto, de dependentes sociais. Tais países, em vez de saírem do subdesenvolvimento, afundam mais e mais na miséria, na desesperança e na violência. A forma de superar esse impasse inclui-se entre os grandes desafios da humanidade para este século, ao lado do desemprego, da preservação do meio-ambiente e das tensões étnicas, entre outros. Como solucioná-lo é a grande questão que se impõe. É, sem tirar e nem pôr, trabalho árduo, duro, duríssimo e, sobretudo de extrema urgência.

Boa leitura.

O Editor.


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