Telinha nacional
* Por
Urda Alice Klueger
Junto com alguns outros
escritores de Santa Catarina, estamos, neste momento, ocupando a telinha
nacional em diversos canais e horários. A matéria foi feita pelo pessoal da TV
SESC/SENAC, de São Paulo, que já um mês antes pediu nossos livros pra lê-los, etc.,
o que nos garantia uma entrevista de qualidade e me deixava impressionada. A
entrevista foi marcada para ser feita em Florianópolis, e nos encontramos no
bar "Armazém Vieira", tradicional casa noturna da nossa capital. O
pessoal da TV era extremamente simpático, e quando vi seu material de trabalho,
os grandes e sensíveis microfones peludos, etc., coisas que costumo ver no
exterior, e não aqui na minha pequena província cheia de burgos, senti que a
coisa iria rolar legal! E o entrevistador, puxa! aquilo era um entrevistador!
Sabia o que cada um de nós tinha escrito, como fluía nosso pensamento - estava
equivocado apenas quanto a uma coisa: ele e sua equipe vinham de longa
temporada no Nordeste, e tinham escolhido Santa Catarina para um programa de
final de ano, que fosse bem diferente do que tinham visto e ouvido no Nordeste,
e pelo que falou, entendi que esperava, aqui, uma continuação da Literatura
alemã, italiana, polonesa, etc., já que somos um Estado de muitas imigrações.
Se estivesse no lugar dele talvez também pensasse assim: à mesa, estavam um
Buss, um Raduenz e uma Klueger, no caso, eu, nomes nada lusos, bem ligados aos
antigos imigrantes.
Com sua grande capacidade de
entrevistador (ele se chamava Ricardo Soares, e é um escritor, igual a nós), começou
nosso longo papo, que se prolongaria por umas três horas, com perguntas
muitíssimos inteligentes. Só aquilo já fazia um bem danado! Às vezes a gente
ouve cada coisa de um entrevistador! Ano passado fiz maravilhosa viagem de moto
por 5 países da América do Sul, e na volta fui chamada para dar certa
entrevista – e ao invés de o entrevistador me deixar falar das magníficas
coisas que existem pela América, ele fazia perguntas do tipo: “Você foi
dirigindo a moto ou foi de carona?” - coisa assim para deixar o público cada
vez menos informado.
Desta vez, porém, a coisa era de
alto nível, e o único equívoco era sobre nossas heranças culturais. Penso que o
entrevistador foi de surpresa em surpresa quando cada um de nós se identificou:
dois éramos produtos das bibliotecas públicas das suas cidades; um tinha como
substrato a canção popular brasileira, como Adinoran Barbosa e Caetano Veloso.
Dois se sentiam catarinenses e brasileiros, sendo que um se classificou como
também membro da grande família da língua portuguesa - eu me disse pertencente
à grande família da América dita Latina. Eram complicadas explicações para quem
esperava Schiller e Goethe, mas o Brasil é assim mesmo, um caldeirão de
loucuras com as suas etnias. E vi, agora, quando o programa foi ao ar, que
andei defendendo com muita garra a Literatura Xokleng que se faz aqui no Vale
do Itajaí, onde o país inteiro pensa que só tem alemãozinho de calções bordados
e chamados de Fritz. Para quem não sabe, Xokleng é um povo muito, muito antigo,
que vive no Vale do Itajaí, povo assim com pelo menos uns 6.000 anos de
história, e que está produzindo literatura na sua língua e publicando. Viram
vocês como estavam equivocados a respeito de Santa Catarina?
Depois, no outro dia, o
entrevistador foi atrás de Salim Miguel, no seu paraíso de praia, e obteve
outra magnífica reportagem. Até mandei gravar, para ter tal lembrança da
sabedoria dele bem guardada. De novo penso que ele se equivocou: ao invés de
Schiller ou Goethe, Salim Miguel é genuinamente nascido no Líbano, e veio parar
por estas plagas por mero acaso, e se hoje sua língua é o português, de novo
foi por acaso.
Então a equipe da TV foi embora,
e só agora, mês e meio depois, foi que vimos o programa. Claro que eles tinham
que editar, das cerca de 3 horas que gravamos saiu uns 15 minutos – a
entrevista com Salim Miguel foi tão bela que ocupou outros 15 minutos. Mas
ficou muito bonito, e fico torcendo para muita gente ver que Santa Catarina,
como o resto do Brasil, é um grande caldeirão de etnias, e que somos tão
mestiços física e culturalmente como quase todos os brasileiros. Disseram-me
que o programa vai ficar rodando por aí por uns dois anos – talvez ajude a
fazer o brasileiro em geral entender que Santa Catarina não é uma cidade. Isto
aqui é um Estado, viu, gente? E tão complexo quanto quase todos os outros deste
nosso país maravilhoso!
*
Escritora de Blumenau/SC, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR
Para mim, que sou relativamente bem informada, é uma bela janela que se abre. Eu pensava que aí só tinha brancos descendentes de italianos e alemães. Quando aí estive não vi os morenos que compõem 60% dos moradores de Montes Claros, por exemplo, e, entenda-se por moreno, os pardos, entre os quais me incluo.
ResponderExcluir