quarta-feira, 19 de junho de 2013

Sem a cabeça no lugar

* Por Fernando Yanmar Narciso

Quem teve uma professora marxista de História no ensino médio precisa ter ao menos noções básicas de mentalidade revolucionária. Digo por experiência, afinal tive umas duas ou três em meus últimos anos de escola, e uma que só faltava ter tatuagem de Che Guevara na nuca. Revoluções são tão necessárias para o curso da humanidade como o próprio establishment. O problema é que, mais cedo ou mais tarde, a revolução acaba se tornando o que ela combatia. É fato que o ser humano adora estar insatisfeito com tudo ao seu redor. Hay algo, soy contra, como diria o próprio Guevara. Mas será que o senso de utopia ainda tem o seu lugar no mundo moderno?

A famosa revolução americana teve início porque a Coroa inglesa aumentou os impostos do chá nas colônias americanas. A guerra de secessão começou porque o Sul dos Estados Unidos queria manter o sistema escravista e o Norte não queria. A revolução mexicana começou porque o General Porfírio Diaz tentava seu quinto mandato presidencial consecutivo. Lenin e Trotski buscavam acabar com o czarismo russo. Hitler, Mussolini e outros ditadores subiram a escada do poder por sentirem que seus países foram humilhados pelo Tratado de Versalhes após a 1ª Grande Guerra. Jovens foram às ruas nos Estados Unidos e na Europa no fim da década de 60 porque achavam que a guerra no Vietnã não fazia sentido e só trazia mortes.

Minha geração, a mesma que viu o surgimento do movimento das Diretas Já, que ajudou a derrubar a ditadura militar, e dos caras-pintadas, que ajudaram a derrubar o traidor Fernando Collor- se bem que sempre desconfiei que tal movimento tenha sido um enorme golpe publicitário da família Marinho...Enfim, minha geração parece ter desaprendido o dom de lutar por uma causa nobre. Quer dizer, já temos praticamente tudo a nosso dispor, quase literalmente nascendo em árvores. A juventude não leva uma vida tão boa e fácil desde que a primeira criança Homo Sapiens nasceu.

Mas os problemas estão espalhados por todos os cantos, à disposição de quem quiser sair da frente do monitor por um segundo. Hospitais falidos, a criminalidade e a falta de respeito pelo próximo, gente que mata pessoas só por matar, a inflação que voltou a arrastar correntes pelas ruas, o governo que não respeita os eleitores veteranos nem sabe como conversar com os eleitores jovens, cujos políticos só querem saber do benefício próprio, saber que o julgamento do mensalão só vai chegar ao fim em 2015 e provavelmente nenhum réu irá para a cadeia, isso depois daquele estardalhaço do ano passado. Claro, os dois anos de liberdade devem dar tempo de sobra para Zé Dirça e o resto da corja tentar subornar, torturar ou até mesmo descobrir algum podre na vida de Joaquim Barbosa.

Então, quando descobrimos que as obras da Copa do Mundo saíram quatro vezes mais caras que o combinado e que vão falir o país, foi a gota d’água. Por isso, por mais que a Rede Globo e associados insistam em dizer que essas revoltas ao redor do país, com ônibus queimado, confrontos com a polícia e tudo o mais são só por causa do aumento de 20 centavos na passagem de ônibus, ninguém engole. É um problema muito maior que esse, e o aumento do ônibus foi só o que faltava pro concreto terminar de rachar.
O povo finalmente voltou às ruas e colocou a boca no mundo. Mas como será o pós? Quais serão as grandes lições aprendidas e ensinadas com isso? Precisamos pensar sobre isso, antes que as pessoas se entediem de tocar o terror e voltem pra casa, cabisbaixas por não terem conseguido mudar nada. Tirando a Primavera Árabe e o princípio de guerra civil na Turquia, não vemos um único cidadão caridoso levantar a mão e apontar a nova direção a ser seguida.

Eu e muita gente esperávamos que, quando Bush filho declarou a enfadonha guerra contra o Iraque em 2003, o mundo fosse capaz de passar por uma nova revolução cultural como nos tempos de Woodstock. Mas o que veio depois da guerra? O iPhone... O Facebook... Obama... Justin Bieber... Viva la revolución!! Aí veio a crise americana de 2008, que fez da economia mundial uma paçoca de pilão. E os jovens voltaram às ruas ao redor do mundo para protestar... E nada mais. O movimento Occupy, que tomou as calçadas de Wall Street e as ruas da Espanha por dois anos seguidos, só o que fez foi gritar bem alto, carregando cartazes de protesto contra o sistema, mas sem apontar um novo caminho, que pudesse passar uma borracha no establishment e colocar o mundo de volta nos eixos. A palavra de ordem do movimento era mais ou menos assim: “NÓS não sabemos o que fazer pra melhorar o mundo, mas VOCÊS aí em cima sabem. ENTÃO FAÇAM LOGO!” Pragmáticos esses rebeldes... Percebi que o tal movimento não daria nem pro cheiro quando um dos manifestantes disse que um meme do Facebook foi a inspiração dele para levantar-se em “armas”. Ainda devem ter uns cinco ou seis gatos pingados esperançosos, pernoitando em Wall Street de cartaz na mão hoje, mas o que essa gente conquistou, para que mereçam no futuro alguns verbetes nos livros de História?

As pessoas têm de engolir muitos sapos todo dia, e chega uma hora que não dá mais pra tampar os ouvidos e fazer NANANANANANANANANA, como eu sempre faço. Basta uma fagulhinha pra fazer o planeta vir abaixo. Toda manifestação, toda revolta é válida, mas a meu ver, para que o espírito aventureiro não acabe se esvaindo, toda revolução precisa ter seis ingredientes: Um mundo na merda, a última gota, vontade de se rebelar, uma nova filosofia social, objetivos claros e, o mais importante, uma figura central inspiradora e quase messiânica. Sem esses ingredientes trabalhando em sinergia, logo as muvucas nas ruas do país se tornarão tão sem sentido como... Ter de pagar o ônibus com cartão de crédito. O dia em que o mundo for um lugar justo, ele deixará de ser o mundo.

PS.: Notem que eu nem cheguei a citar no artigo a revolução chinesa, a cubana as revoltas estudantis dos tempos do AI-5. Os motivos vocês já devem ter imaginado.

*Designer e escritor. Sites:


3 comentários:

  1. A movimentação nas ruas precisa de algumas respostas, no momento em que eu mal tenho as perguntas: quem são os manifestantes? Quem é o líder? O que querem? Soube depois de uma dezena de vontades. O que a polícia/governo fará com suas reivindicações? E se não fizerem o que querem, o que farão esses mesmos manifestantes? E por último: o que farão a polícia/governo com os próprios manifestantes que se excederem?
    Pra começo de conversa, a coisa promete piorar. Só espero que dure pouco e traga resultados. Sem a cabeça no lugar, porém com boas falas.

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  2. O nosso povo não está preparado para revolucionar, até porque uma boa parte dos nossos intelectuais vivem politicamente e culturalmente em cima dos muros esperando uma oportunidade para mamar nas tetas do governo. Os brasileiros já se preparam para receber o maior evento do futebol mundial o teste está sendo com a Copa das Confederações!!!

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  3. "O povo tão explorado
    pela classe dominante,
    alimenta-se com o ilusório
    do carnaval e do futebol,
    que acaba vivendo neste paiol
    a ponto de explodir,
    chamado Brasil!"

    - SOL Figueiredo -

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