segunda-feira, 17 de junho de 2013

Folguedo que é fruto de fusão

Os folguedos do Brasil, ou seja, as várias manifestações folclóricas desse nosso povo sofrido, mas festivo por natureza, embora tradicionais, não são rígidos, à prova de alterações, adaptações ou “modernizações”. Alguns são mudados de tal sorte, tão profundamente, que perdem por completo as características originais. Não raro, transformam-se em novos folguedos. Há os que desaparecem, por falta de praticantes, contudo, outros tantos surgem, até que algum dia venham a ser também mudados ou deixem de ser praticados.

Exemplo característico dessas mudanças que citei é o caso do folguedo conhecido como “Guerreiro” ou “Auto dos Guerreiros”, característico, sobretudo, do Estado do Alagoas. Trata-se de uma fusão do Reisado e do Caboclinho, embora essas duas manifestações folclóricas subsistam em outras regiões (e até mesmo em solo alagoano). Onde havia dois folguedos, passaram a haver três, convivendo harmonicamente, sem problemas, sem que um ameace a existência dos outros. É verdade que o Guerreiro tem elementos de três outras manifestações folclóricas bastante populares, todas elas também vivíssimas, que são a “Chegança”, o “Pastoril” e o “Bumba-meu-boi”.

A formação desse novo folguedo, com “retalhos” desses outros que citei, ocorreu nas décadas de 20 e 30 do século XX e hoje já está consolidado e se tornou tradicional, pelo menos em Alagoas. Nesse Estado nordestino há dezenas de grupos dessa tendência, podendo ser citados, entre tantos outros, os do Mestre Adelmo (Cajueiro), do Mestre Eduardo (Coruripe), de Zé Leonízio (Murici), de José Tenório (Chã da Jaqueira) e vai por aí afora. O “Guerreiro” integra o chamado “Ciclo Natalino” e é dançado especificamente no Natal.

O número de participantes varia de um grupo para outro. Podem ser de 25, 35, 50 ou 64 figurantes, além dos personagens fixos, dos quais os principais são: o mestre, o contramestre, o rei, a rainha, a lira, o índio Peri com os respectivos vassalos, dois mateus, o boi, dois embaixadores, o general, dois palhaços, uma catirina, uma sereia, uma estrela de ouro, uma estrela brilhante, uma estrela republicana, a banda da lua e as figuras. Alguns grupos do Guerreiro têm vários outros protagonistas, mas os que citei são os considerados indispensáveis.

Os participantes dançam, cantam e recitam falas ao som de acordeões, pífanos, tambores e pandeiros. Simulam batalhas e outras tantas cenas constantes de seus enredos. Os dançarinos trajam roupas vermelhas e azuis, trazendo na cabeça pesados chapéus enfeitados com fitas de várias cores e pequenos espelhos. As vestes imitam igrejas e catedrais, tanto nos diademas e coroas, quanto nos guarda-peitos, calções e mantos. Os personagens fixos que citei estão presentes em todos os grupos. O principal é o Mestre. Na brincadeira, ele trava um desafio, ou diálogo cantado, com os mateus e dá o mote para a cantoria dos figurantes.

O papel do contramestre é importante, mas somente como substituto. Apenas se faz presente na ausência do Mestre, quando então exerce todos os papeis atribuídos a este. Já os mateus são uma espécie de palhaços, trajando roupas folgadas, exóticas e coloridas, trazendo o rosto pintado com pó de carvão, o que lhes dá aspecto um tanto quanto assustador. Tanto que eles costumam assustar as crianças. E sempre provocam os participantes, pois essa é sua principal função, conferindo dinamismo a esses Autos de Guerreiros. São os mateus que abrem a roda para a dança do boi, coreografia que remete a outro folguedo tradicionalíssimo em todo o País: o Bumba-meu-boi.       

Esse personagem é tão popular, que sua presença, no imaginário dos habitantes da região, extrapola o folguedo do “Guerreiro”. Explico. Pelo fato dos mateus serem, simultaneamente, figuras exóticas e assustadoras, os pais usam-nos para fazer ameaças às crianças desobedientes. Sempre que alguma persiste em fazer coisas erradas, em ser birrenta e se mostrar teimosa, invariavelmente os adultos ameaçam-na: “Se você não obedecer, vou chamar o mateus para pegá-lo”. Ao que se sabe, o expediente é tiro e queda. Imediatamente o pequeno turrão se enquadra, sem mais resistências.

É o que ocorria, por exemplo, em São Paulo, na minha infância, com a figura do “homem do saco”. Quando nos mostrávamos desobedientes e teimosos, nos diziam que essa personagem – que nenhuma criança nunca viu e por isso a imaginava nas maneiras mais horríveis, de acordo com a fértil imaginação infantil – viria nos pegar e nos levar para fazer sabão com nossos corpos caso não nos comportássemos. E nós.... nos comportávamos. Figuras como estas, dos mateus e dos homens do saco, sempre existiram no mundo todo, com suas múltiplas variantes. embora, atualmente, quando crianças de quatro a cinco anos já sabem manipular celulares e computadores, certamente não funcionam mais. Os pequenos, invariavelmente, riem dos adultos que eventualmente as ameacem com esses bichos-papões e similares, tão aterrorizantes na infância destes, mas que hoje já não assustam ninguém.

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Nos tempos atuais até os demônios tiveram de se adaptar. Os medos são outros.

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