Feio,
sim. Corno, não
* Por Celamar Maione
Roberval era assim. Feio de dar dó. Vinte e oito anos de idade, nunca havia namorado. Parecia que o nariz ficava no lugar dos olhos, os olhos no lugar do nariz. As sobrancelhas se juntavam fazendo um arco de assustar. Os dentes trepados deixavam o pobre envergonhado de dar um simples sorriso. Desiludido com a própria feiúra nunca pensara nem em colocar aparelho nos dentes.
Além de tudo o coitado ainda tinha mau hálito. Roberval falava e a quilômetros de distância já sentiam o cheiro de ovo podre exalando daquela boca cheia de dentes trepados. A única coisa mesmo que prestava na vida de Roberval era o dinheiro. Estudioso, conseguiu vencer na vida. Tinha negócio próprio, carro do ano e a casa dele era a melhor da rua.
Mas mesmo com a falta de homem no mercado, não havia mulher que quisesse encarar a feiúra de Roberval. E o coitado ainda era apaixonado desde menino pela vizinha gostosona. Vivia sonhando com ela, que conheceu menina e se transformou num tremendo mulherão. Os poucos amigos, debochavam da paixonite do pobre que tinha o apelido de feioso.
-Você
está perdido, feioso . Quando é que a Clotildes vai lhe dar bola? Aquele
avião!?
-Tá
perdido, cara. Para conquistar a Clotildes só fazendo plástica.
Roberval dava aquele sorrisinho tímido e resignado, de boca fechada, é claro.
Só que a Clotildes vinha passando por sérias dificuldades financeiras. Gastou demais no cartão de crédito e agora se não pagasse a dívida ia ter o nome no Serasa. A mulher já estava entrando em desespero quando uma grande idéia lhe veio à cabeça. Ela assistia televisão ao lado da irmã e saiu-se com essa:
-Roberval!
Ele vai se a minha salvação.
A irmã olhou para ela com ar de espanto:
-
Salvação de quê mulher? O que você está falando?
Clotildes
explicou o plano. Iria dar em cima de Roberval. Fingir que estava apaixonada. Quando ele mordesse a isca, ela daria o golpe. Clotildes ia pedir dinheiro emprestado e pagaria de uma só vez a dívida do cartão de
crédito. A irmã riu:
-
Será que ele vai acreditar na sua paixão
repentina? E outra coisa: eu prefiro ter meu nome no Serasa a encarar o
Roberval.
Mas
Clotildes não pensava dessa forma, ter
nome sujo na praça não era com ela. Já pensou não poder mais comprar
perfumes? Adorava perfume. Queria pagar
as dívidas para poder gastar novamente de maneira compulsiva.
Colocou o plano
- Que ânsia de vômito! O cara hoje estava com um mau hálito danado de agüentar!
A irmã caía na gargalhada:
-
Dá bala de hortelã para ele.
O
tempo de Clotildes estava se esgotando. Mas ela não podia chegar de repente e
pedir o dinheiro. Ele ia desconfiar. Era feio, mas não era burro. E a coisa foi
andando, andando, até que no portão de casa surgiu o primeiro beijo. Depois do
beijo Clotildes chegou em casa e foi
direto para o vaso sanitário vomitar. Pensou em desistir do plano, mas quando
pensava na dívida, tomava coragem.
Começaram a namorar. Nada de sexo, Clotildes mentiu:
-
Sou virgem. Sexo só depois do casamento.
Roberval
não discutia. Estava feliz. Sempre foi um resignado mesmo. E também era virgem.
Não sentia falta daquilo que nunca havia feito.
Quando o casal completou dois meses de namoro, Clotildes, que já andava com o estômago embrulhado, resolveu dar o golpe e na cara de pau pediu dinheiro ao namorado feio.
Roberval
fez o cheque na hora. Não reclamou. Estava feliz em poder ajudar a namorada. Achava
que assim iria conquistá-la para sempre.
Enquanto
isso, Clotildes só pensava em pagar suas dívidas. Pagou o cartão, limpou o nome e se preparava para descartar Roberval.
Roberval,
já doido para fazer o que ainda não havia feito, sonhando com uma noite de
núpcias, tomou coragem para pedir Clotildes em casamento.
Naquela
noite chegou na rua com um buquê de rosas
e um anel de rubi. Porém,
estranhou que a namorada não estivesse esperando por ele no portão, como
sempre fazia. Foi até a casa dela e bateu na porta. Um moreno forte, de olhos
verdes e bíceps avantajados abriu:
-Fala
aí cara.
Roberval, com jeito de moço tímido, pediu para falar com a namorada Clotildes.
O grandalhão caiu na gargalhada:
-
Clotildes é minha namorada. Sai fora cara, o que você quer com ela?
Pegou
o buquê das mãos de Roberval e amassou
as rosas com o pé . Antes de bater com a
porta, ainda cuspiu na cara do feioso.
Roberval ficou baratinado, sem saber o que fazer. Sentiu-se muito humilhado. Os olhos se encheram de lágrimas.
Sumiu
por uma semana. Os amigos deram parte na polícia. A família achava que ele tinha
se matado. Clotildes ficou com pena, mas
não se importou. Já tinha pago o cartão de crédito.
Finalmente, Roberval reapareceu. Ele foi direto à casa de Clotildes. Bateu na porta. Clotildes atendeu. Ficou sem graça ao ver Roberval, ia tentar se explicar. Ele não quis ouvir. Tirou o revólver 38 da cintura e deu três tiros na cara de Clotildes.
A mulher caiu na porta de casa com os olhos arregalados e o sangue escorrendo pelo nariz. Calmamente, Roberval guardou o revólver e sacudiu Clotildes até ter certeza de que ela estava morta . Chegou em casa, pegou o telefone e ligou para a polícia. Quando atenderam se entregou:
-Meu
nome é Roberval dos Prazeres. Acabei de matar uma vaca vadia.
Depois
de confessar o assassinato, sentou no sofá
com a arma na mão direita e olhos grudados na porta . Esperava a
chegada da polícia. No canto da boca um sorriso cheio de sarcasmo.
Decididamente não tinha sangue de barata!
* Radialista e jornalista,
trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical,
Rádio Globo e Rádio Tupi. Faz freelance na época do Carnaval na
Rádio Tupi, na cobertura de barracão de escolas de samba e na Marquês de
Sapucaí. Leciona Telemarketing,
atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é
escrever, notadamente poesias e contos.
A paixão tem uma face e a humilhação tem cara de vingança.
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