domingo, 9 de junho de 2013

Feio, sim. Corno, não

* Por Celamar Maione

Roberval era assim. Feio de dar dó. Vinte e oito anos de idade, nunca havia namorado. Parecia que o nariz ficava no lugar dos olhos, os olhos no lugar do nariz. As sobrancelhas se juntavam fazendo um arco de assustar. Os dentes trepados deixavam o pobre envergonhado de dar um simples  sorriso. Desiludido com a própria feiúra nunca pensara nem em colocar aparelho nos dentes.

Além de tudo o coitado ainda tinha  mau hálito. Roberval falava e a quilômetros de distância já sentiam o cheiro de ovo podre exalando daquela boca cheia de dentes trepados. A única coisa mesmo que prestava na vida de Roberval era o dinheiro. Estudioso, conseguiu vencer na vida. Tinha negócio próprio, carro do ano e a casa dele era a melhor da rua.

Mas mesmo com a falta de homem no mercado, não havia mulher que quisesse encarar a feiúra de Roberval. E o coitado ainda era apaixonado desde menino pela vizinha gostosona. Vivia sonhando com ela, que conheceu menina e se transformou num tremendo mulherão. Os poucos amigos, debochavam da paixonite do pobre  que tinha o apelido de feioso.
-Você está perdido, feioso . Quando é que a Clotildes vai lhe dar bola? Aquele avião!?
-Tá perdido, cara. Para conquistar a Clotildes só fazendo plástica.

Roberval dava aquele sorrisinho tímido e resignado, de boca fechada, é claro.
Só que a Clotildes vinha passando por sérias dificuldades financeiras. Gastou demais no cartão de crédito e agora se não pagasse a dívida ia ter o nome no Serasa. A mulher já estava entrando em desespero quando uma grande idéia lhe veio à cabeça. Ela assistia televisão ao lado da irmã e saiu-se com essa:
-Roberval! Ele vai se a minha salvação.

A irmã olhou para ela com ar de espanto:
- Salvação de quê mulher? O que você está falando?
Clotildes explicou o plano. Iria dar em cima de Roberval. Fingir que estava  apaixonada. Quando ele  mordesse a isca, ela daria o golpe.  Clotildes ia pedir dinheiro emprestado  e pagaria de uma só vez a dívida do cartão de crédito. A irmã riu:
- Será que ele  vai acreditar na sua paixão repentina? E outra coisa: eu prefiro ter meu nome no Serasa a encarar o Roberval.

Mas Clotildes não   pensava dessa forma, ter nome sujo na praça não era com ela. Já pensou não poder mais comprar perfumes?  Adorava perfume. Queria pagar as dívidas para poder gastar novamente de maneira compulsiva.

Colocou o plano em ação. Passou a sorrir para Roberval. Dava bom dia para o feioso  com aquele ar de mulher no cio. Duas semanas depois, Roberval se aproximou. De noite Clotildes ficava no portão, esperando o moço chegar do trabalho para puxar conversa. Quando o assunto terminava, Clotildes corria para o banheiro e gritava para a irmã:
- Que ânsia de vômito! O cara hoje estava com um mau hálito danado de agüentar!

A irmã caía na gargalhada:
- Dá bala de hortelã para ele.
O tempo de Clotildes estava se esgotando. Mas ela não podia chegar de repente e pedir o dinheiro. Ele ia desconfiar. Era feio, mas não era burro. E a coisa foi andando, andando, até que no portão de casa surgiu o primeiro beijo. Depois do beijo Clotildes chegou em casa e   foi direto para o vaso sanitário vomitar. Pensou em desistir do plano, mas quando pensava na dívida, tomava coragem.

Começaram a namorar. Nada de sexo, Clotildes mentiu:
- Sou virgem. Sexo só depois do casamento.
Roberval não discutia. Estava feliz. Sempre foi um resignado mesmo. E também era virgem. Não sentia falta daquilo que nunca havia feito.

Quando o casal completou dois meses de namoro, Clotildes, que já andava com o estômago embrulhado, resolveu dar o golpe  e na cara de pau  pediu  dinheiro ao   namorado feio.
Roberval fez o cheque na hora. Não reclamou. Estava feliz em poder ajudar a namorada. Achava que assim iria conquistá-la para sempre.
Enquanto isso, Clotildes só pensava em pagar suas dívidas.  Pagou o cartão, limpou o nome  e se preparava para descartar Roberval.

Roberval, já doido para fazer o que ainda não havia feito, sonhando com uma noite de núpcias, tomou coragem para pedir Clotildes em casamento.
Naquela noite chegou na rua com um buquê de rosas  e um anel de rubi. Porém,  estranhou que a namorada não estivesse esperando por ele no portão, como sempre fazia. Foi até a casa dela e bateu na porta. Um moreno forte, de olhos verdes e bíceps avantajados abriu:
-Fala aí cara.

Roberval, com jeito de moço  tímido, pediu para falar com a namorada Clotildes.
O grandalhão caiu na gargalhada:
- Clotildes é minha namorada. Sai fora cara, o que você quer com ela?
Pegou o buquê  das mãos de Roberval e amassou as rosas com o pé . Antes de bater com  a porta,  ainda cuspiu na cara do feioso.

Roberval ficou baratinado, sem saber o que fazer. Sentiu-se  muito humilhado. Os olhos se encheram de lágrimas.
Sumiu por uma semana. Os amigos deram parte na polícia. A família achava que ele tinha se matado. Clotildes ficou com pena, mas  não se importou. Já tinha pago o cartão de crédito.

Finalmente, Roberval reapareceu. Ele foi direto à casa de Clotildes. Bateu na porta. Clotildes atendeu. Ficou sem graça ao ver Roberval, ia tentar se explicar. Ele não quis ouvir. Tirou o revólver 38 da cintura e deu três tiros na cara de Clotildes.

A mulher caiu na porta de casa com os olhos arregalados e o sangue escorrendo pelo nariz. Calmamente, Roberval guardou o revólver e  sacudiu Clotildes  até ter certeza de que ela estava morta .  Chegou em casa, pegou o telefone e ligou para a polícia. Quando atenderam se entregou:
-Meu nome é Roberval dos Prazeres. Acabei de matar uma  vaca vadia.
Depois de  confessar o assassinato, sentou  no sofá  com a arma na mão  direita  e olhos grudados na porta . Esperava a chegada da polícia. No canto da boca um sorriso cheio de sarcasmo. Decididamente não tinha sangue de barata!

* Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical, Rádio Globo e  Rádio Tupi. Faz freelance na época do Carnaval na Rádio Tupi, na cobertura de barracão de escolas de samba e na Marquês de Sapucaí. Leciona Telemarketing,  atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

Um comentário: