sexta-feira, 1 de junho de 2012

Complexidade

* Por Jair Lopes

Primeiro existia o nada absoluto, algo assim tão radicalmente imaterial, tão insubstancial que nossas limitadas mentes humanas são incapazes de captar na totalidade. Depois, segundo uma teoria amplamente aceita, dessa ausência total de qualquer coisa, houve uma expansão súbita, uma absurda e tão rápida expansão que resolveram chamá-la de Big bang. Embora o Big bang tão tenha sido uma explosão, é a partir desse instante (bilionésimos de segundos) que se criaram trilhões de partículas sub-subatômicas, numa temperatura mais alta que temperaturas do interior de estrelas atuais. Ainda não existiam átomos ou quaisquer de suas partículas conhecidas como prótons, nêutrons e elétrons. Mas, na medida que esse universo se expandia, esfriava e as minúsculas partículas sub-subatômicas se combinavam e formavam os elétrons, nêutrons e próton, o processo adquiriu impulso próprio de modo que essas partículas se recombinaram e formaram os primeiros átomos de hidrogênio, a partir daí esses átomos se uniram formando moléculas que reunidas em imensos aglomerados construíram as primeiras estrelas. E, como sabemos, estrelas nascem, vivem e morrem, mas à cada morte de estrela corresponde uma liberação de bilhões de bilhões de toneladas de matéria. Essa matéria, “poeira de estrelas”, é que formou tudo que vemos e conhecemos, todas as coisas vieram de estrelas primordiais que já não existem mais.

Criada a terra, surgiram mares, uma atmosfera, calor do sol e terras secas, tudo combinado de forma a favorecer um aumento na interação das moléculas de forma deixá-las mais complicadas. Então, cerca de 3,7 bilhões de anos atrás, substâncias bastante complexas concentravam-se localmente, talvez em gotículas em suspensão, ou espuma que secava nas margens dos mares. Sob a influência da energia dos raios ultravioleta do sol, combinavam-se em moléculas maiores e mais, muito mais organizadas. Pode-se perguntar por que isso não ocorre hoje. Moléculas assim seriam rapidamente absorvidas, degradadas ou devoradas por bactérias e outros seres vivos. Naqueles tempos as grandes moléculas orgânicas podiam boiar livremente no caldo cada vez mais denso sem serem molestadas. Num dado momento formou-se por acidente, uma molécula notável, uma molécula que podia replicar-se. Então, teria surgido a vida.

Claro que essa explicação é apenas provisória até que surja outra melhor que seja reproduzível em laboratório, por exemplo. Mas o que quero focar é o que veio depois. Há provas fósseis que os seres vivos primitivos eram incrivelmente simples, monocelulares, geneticamente descomplicados e todos viviam na água. Então, há algumas centenas de milhões de anos, algumas espécies anfíbias se adaptaram e passaram a viver mais tempo na terra que na água, daí a marcha da evolução premiou aqueles seres que tinham maior adaptabilidade e transformou-os em animais terrestres. E esses animais, agora num ambiente diferente, desenvolveram aptidões e particularidades que os tornaram organismos significativamente muito mais complicados que aqueles que viviam nas águas.

O que se depreende então dessa reorganização da matéria? O resultado de reunião de partículas que formam átomos, depois moléculas e estrelas que acabam fornecendo matéria para a construção de tudo, é que, desde o Big bang o universo tende à complexidade. A marcha do universo está caminhando do simples para o cada vez mais emaranhado. O produto final dessa tendência à complexidade não está ao alcance de nossas mentes, mas existe. É só atentarmos para o reino animal, por exemplo. Organismos simples como bactérias são seres notavelmente mais antigos que organismos surgidos depois cujos arranjos moleculares são complicados como os vertebrados e, dentro da classe dos vertebrados, podemos afirmar que os que vieram depois são mais complexos que os que vieram antes, vale dizer, peixes, são mais simples que aves, que são menos complexas que mamíferos, então tudo caminha para complexidade extrema. Não há nada que indique que algum organismo vivo tenha alcançado grau de complexidade absoluto, nada nos faculta afirmar sequer que exista um grau absoluto de complexidade. O que observamos, e está perfeitamente claro, é que existe uma tendência definitiva à complexidade.

Alguns místicos e supersticiosos usam essa marcha da natureza para justificar um Ser anterior que a tudo teria criado e que estabeleceu um final onde a criatura ao atingir a complexidade absoluta encontraria esse Criador, teria se tornado a imagem de Deus. E mais, há os que acreditam que o ser humano é a criatura escolhida pelo Criador para se tornar o ser absoluto, apesar de que os organismos dos mamíferos têm o mesmo grau de complexidade. E o homem, não obstante sua inteligência supostamente superior aos demais, é o animal mais perverso de todos. Donde se depreende se o Ser supremo for perverso o homem é candidato ideal a tornar-se igual a ele, mas se a bondade e tolerância forem atributos necessários à sublimação do ser humano até tornar-se imagem do Criador, ele está fora do jogo, não é mesmo?

• Escritor, autor dos livros “O Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.

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