quinta-feira, 28 de junho de 2012

Nossos amados arruaceiros


* Por Fernando Yanmar Narciso


Uma das grandes qualidades norte-americanas, embora muitos achem que eles não têm nenhuma, é sua simplicidade moral. Para a maioria deles o bem sempre prevalecerá e o mal sempre vai se ferrar. Cowboys e super-heróis são a prova disso. Os primeiros super- heróis surgiram durante o governo do presidente Roosevelt, um grande salvador do povo americano, e eram rebeldes e inspiradores como o presidente que acabou com a depressão da década de 30 e venceu a Alemanha nazista.

Quando Jerry Siegel e Joe Shuster uniram forças para fazer em 1939 o primeiro esboço do que viria a se tornar o Superman, sequer devia lhes passar pela cabeça que estavam iniciando um novo gênero literário. Em dois anos devem ter sido criados mais de 30 super-heróis. Eram tão populares que a primeira capa da revista do Capitão América o imortalizou enfiando uns sopapos na cara de Hitler, enquanto Batman e Robin, sorridentes, posavam sentados em canhões num navio- piada fálica não-intencional. Os gibis eram enviados com a ração dos soldados para incentivá-los. De certo modo foi Clark Kent quem venceu os nazistas.

Mas com o fim da guerra, os suicidas de roupa agarrada já não tinham um “inimigo em comum” conosco e perderam bastante popularidade para os personagens de desenho animado. Quase todos os heróis foram temporariamente descontinuados, sobrando apenas os pioneiros Superman, Batman e Mulher Maravilha.

Na década de 50 veio a primeira “imbecilização” do gênero. Acreditando que apenas crianças ainda liam gibis no pós-guerra, os editores trataram de transformar os intrometidos justiceiros em paizões “embaixadores da boa vontade”, que não apenas salvavam o dia como davam lições de moral e cívica para os pimpolhos e moldavam os cidadãos-modelo do amanhã. Nem é preciso dizer que essa onda politicamente correta foi um fracasso e quase acabou com a raça dos super-heróis...

Então os heróis tiveram outra chance. Apesar de o gênio Stan Lee ter trago uma brisa de ar fresco nos anos 60 com seus heróis modernos e jovens, contestadores da moralidade da geração anterior, e da chegada da contracultura em meados da década e toda a sua influência na arte contemporânea, não dava para prever o que aconteceria ao mundo na década seguinte. Os super-heróis meio que voltaram a ser ignorados nos anos 70, pois o escândalo do Watergate deu uma ducha gelada em todos os ideais de heroísmo e retidão moral que sempre foram a base do American way. Eram tempos de incerteza política e ninguém mais acreditava em maniqueísmo. Até que houve tentativas de animar o mercado, como trazer o Batman de volta às raízes soturnas ou acrescentar temas controversos como drogas e racismo na agenda dos heróis, e houve o surgimento do Wolverine, o maior anti-herói de todos, mas em geral foram tempos difíceis para ser um super-herói.

Então chegou a década de 80, e o universo dos super-heróis teve sua nova chance de redenção. Tínhamos Ronald Reagan no poder, o último grande estadista do país. Visto por seu povo e pelo resto do mundo como um herói, foi o grande responsável por varrer pra debaixo do tapete a praga da Guerra Fria. Sua imagem de cowboy durão, pronto pra ganhar qualquer briga e “defensor da moral e dos bons costumes” inspirou toda a geração de heróis da década, especialmente dos heróis de televisão. Todos os guerreiros das telinhas tinham a missão simplista de enfrentar o mal e o crime, mas também serviam de exemplo para as crianças que os assistiam. Apesar de serem brucutus agitadores de espadas, tanto He-Man como She-Ra e Lion eram bárbaros politicamente corretos: Nunca as usaram para estripar, degolar, nem mesmo para esfolar o joelho dos inimigos, só para arrebentar obstáculos e encurralar os adversários. E, no final de cada aventura, olhavam em nossos olhos e agiam como a Professora Helena de seu tempo, trazendo boas e velhas lições de civilidade, saúde e tolerância. Eram meio bobalhões, mas inspiradores e serão idolatrados para sempre. No universo das animações de ação infantis, até assassinos sistemáticos como Rambo, Chuck Norris, Hulk Hogan, Robocop e Mr. T se transformaram em mensageiros da paz. Por outro lado, quase todos os super-heróis Marvel e DC ficaram bastante atrevidos, selvagens e desequilibrados na década de 80. Como se sair saltitando por aí em trajes de lycra fosse antes a coisa mais natural do mundo... Nem vou falar do que ocorreu à indústria nas décadas posteriores, simplesmente não vale a pena.

A receita para uma boa história de super-herói nunca muda: Bndidos/extraterrestres/terroristas/ sertanejos universitários tentam fazer alguma coisa para animar um pouquinho o planeta, os saradões intrometidos aparecem para fazer o serviço que não é responsabilidade deles, causando mais destruição que os próprios adversários no meio do caminho, e no final posam para as câmeras e dão autógrafos por terem trago de volta a monotonia rotineira. Palmas para eles, e para o alto e avante!

*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

4 comentários:

  1. Ficou uma análise interessante e bem cult. Adorei a finalização gozando da cara dos sertanejos universitários. Muito bom!

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  2. Seu texto é bastante enriquecedor. Entre os vários tópicos que aborda,aponto a relação que faz entre os super-heróis e o Watergate, nada mais embaraçoso. Como eu queria ter visto a primeira capa da revista do Capitão América enfiando uns sopapos na cara de Hitler. Infelizmente não vi.

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    1. Obrigado! Vou guardar. Não é qualquer um que tem a primeira capa de Capitão América.
      E quem não gostaria de ser este heroi, quebrando a cara de Hitler? (rs)

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  3. Há alguns meses atrás ouvi uma acirrada discussão sobre o tema, quem estava na berlinda era o lanterna verde, uns preferiam o lanterna branco
    e outros o negro. Já vou logo avisando que nem adiantou tentar explicar a razão de um ser assim e outro assado. No final o lanterna "negão" ganhou longe.
    Mais uma vez parabéns pelo texto.
    Abração.

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