sexta-feira, 29 de junho de 2012

Sujando os mares


* Por Jair Lopes

O terror que os oceanos representavam para os nossos ancestrais que supunham a Terra plana e com borda onde os navegantes poderiam cair foi, há muito, aplacado; também a formalidade quase acadêmica como eram descritos pelos grandes navegadores dos descobrimentos, foi deixada para trás; modernamente, os oceanos tornaram-se “entidade” representada em todos seus estados de ânimo pela sua dramaticidade, sua beleza cantada em verso e prosa pelos poetas e outros sonhadores, e sua violência quando tsunamis medonhos ceifam vidas aos milhares. Mas, além disso, essa entidade passou a ter relações muito mais próximas e cordiais com a humanidade dos tempos atuais – e isso, parece, tem muito a ver com o fato de seres humanos serem “terrestres”, em contraposição a seres aquáticos dos oceanos. Mar é a antítese de terra, daí o fascínio. A maioria dos bípedes falantes pensa no oceano com admiração, como um lugar de abrigo da mente, um local mágico onde se navega por pensamentos sem preocupações do dia-a-dia, um lugar cujas praias convidam ao dolce far niente. Devido às dificuldades da vida moderna, o mar passou a ser visto como um refúgio, um ermo sem multidões buliçosas, sem estresse; um lugar bem diferente da roda viva que é ganhar o pão de cada dia na indústria e nas atividades onde o dinheiro é o objetivo final. A vida a beira mar é um ideal procurado por grande parte do homem moderno.

Obviamente os mares ainda precisam ser cruzados e navegados, por motivos comerciais, por esporte, por curiosidade científica e até por motivo de guerra. No entanto, o oceano é algo a ser invejado, uma entidade merecedora de respeito e admiração. Mas, embora o mar seja para o homem fonte de proteínas, lugar de lazer, “estrada” que liga povos, nações e continentes e responsável pelo início de vida no Planeta, o bicho homem não o trata como deveria. Vejamos o que diz Rachel Carson no seu clássico “O mar que nos cerca” de 1951: “Embora o currículo do homem como guardião dos recursos naturais da terra seja desalentador, sempre houve um certo consolo na convicção de que pelo menos o mar era inviolável, além da capacidade humana de modificar e espoliar. Mas essa crença, infelizmente, mostrou ser ingênua. Ao desvendar os segredos do átomo, viu-se confrontado com um problema atemorizante: o que fazer com os materiais mais perigosos em toda a história do mundo, o subprodutos da fissão atômica... e, com pouquíssima discussão e quase nenhuma atenção pública, o mar tem sido escolhido como um vazadouro “natural” para os detritos contaminados...

É uma situação curiosa que o mar, onde a vida surgiu, seja agora ameaçado pelas atividades de uma forma dessa vida. “Mas o mar, ainda que mudado de maneira sinistra, continuará a existir: a ameaça é antes à própria vida”

No entanto, a poluição marinha, seja ela nuclear ou industrial, não é em si o problema mais grave e duradouro com que se defrontam os mares e oceanos. Porque o mar tem uma capacidade, ainda que limitada, de se limpar e se manter em forma. O pior é que hoje, a demanda sempre crescente de peixes, crustáceos e outros seres marinhos está pressionando um dos recursos mais frágeis dos oceanos e levando-o perto do ponto de ruptura. Para atender o insaciável apetite humano por frutos do mar, o homem está fazendo uma insensata sobrepesca em todos os mares. Em consequência o pescado está se esgotando muito depressa. As projeções mais conservadoras avaliam que daqui a quarenta anos não mais existirá peixes e outras vidas comerciáveis nos oceanos. Urge que nossa sociedade encontre caminhos alternativos como criação em cativeiro para que não caiamos naquilo que Rachel Carson escreveu com grande clarividência: “Mas o mar, ainda que mudado de maneira sinistra, continuará a existir: a ameaça é antes à própria vida”.

Há mudanças e degradação em todos os mares. Só nos resta baixar a cabeça de vergonha e reconhecimento de nossas fraquezas e incúrias: nós poluímos o mar, saqueamos o mar, desprezamos o mar, profanamos o mar que nos parece, o mais das vezes, existir só para nos servir. No entanto, a natureza de modo geral e o oceano em particular, estão nos avisando que haverá consequências se não guinarmos para atitudes mais racionais. E quais serão as consequências? Não sabemos, e talvez o melhor é jamais sabermos, não podemos arriscar numa aposta em que a própria vida está em jogo.

• Escritor, autor dos livros “O Tuaregue” e “A fonte e as galinhas”.

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