segunda-feira, 25 de junho de 2012

A interrogação do homem

* Por Paulo Valença

Prêmio de EDIÇÃO/PARTICIPAÇÃO ESPECIAL No Grande Concurso Cidade do Rio de Janeiro – 2012.



1
As camisas do time do Santa Cruz presas por grampos no arame estirado que se estende defronte da casa fechada, com a menina sentada numa cadeira, à espera do próximo comprador.

À sombra que recebe da casa, ela espera. Caladinha. Séria. O rosto moreno afilado, os olhos grandes, negros brilhando, no interesse de “faturar” com a venda da mercadoria.

A tarde amadurece, com os veículos transitando na avenida que se interpõe entre a calçada com a menina e a outra, de lojas comerciais.

- Quanto é a camisa?

Indaga o rapaz crioulo magro, de bermuda.

- Dez reais.

- Tá caro.

Afasta-se. A menina nada responde, sorrindo, aquiescendo. O pai devia baixar o preço...

Ergue-se, para estirar as pernas e aguarda.

2

O automóvel verde-abacate importado se avizinha da pequena vendedora.

Macio devagar estaciona ao meio-fio. A porta se abre e o homem moreno “coroa”, bem vestido salta. Aproxima-se. A menina põe-se alerta, prevendo a compra.

- Quanto custa à camisa do time mais querido do Recife?

A voz educada. O sorriso simpático.

- Dez reais.

- Por favor, me venda sete camisas.

A menina se ergue, sorrindo, ativa, atendendo.

O movimento de carros, motos, bicicletas e transeuntes cresce ante o início da noite.

O homem paga as camisas e, outra vez sorrindo:

- Obrigado mocinha.

Retrocede ao carro e parte, enquanto a menina retorna a cadeira, esperando o novo comprador.

3

A notícia que teve do sujeito gordo, brancoso, da lanchonete foi de que um carro verde-abacate parou e que o motorista, um senhor moreno, “coroa”, bem vestido desceu, se dirigiu à menina e que depois, ela guardando as camisas numa caixa grande, entrou no carro com ele...

D. Nilda chora e revoltada fala gritando:

- O infeliz raptou a minha filha. Isso é uma miséria! Cadê as autoridades que não prendem esse monstro? A Silvinha ainda uma criança...

Ao lado, o marido José fita o cimento do piso da pequena sala. Sem nada dizer. Preso também à dor que o martiriza a sete dias do desaparecimento da filha, ainda uma inocente, que...

De repente, também explode, sem mais se conter:

- Ah se eu pego esse desgraçado filho da puta!

Apressado retira-se da sala. E a vizinha D. Maria, que tudo presencia, solidária se achega à mãe que sofre.

- D. Nilda, a Silvinha será encontrada. Deus não desampara ninguém.

Os soluços, com as lágrimas gordas. E o silêncio como resposta, enquanto a noite chega e o homem lá fora, desnorteado caminha como em busca do que sabe, intimamente sabe, não mais terá a filha ao seu comando, à sua proteção de pai. E erguendo o rosto fita o céu acinzentado, sem estrelas, como buscando uma resposta que justifique a maldade sem tamanho do ser humano.

Caminha, enquanto a noite fria vai passando indiferente a tudo.

* Paulo Valença é autor paraibano, com livros de ficção premiados nacionalmente; Verbete do Dicionário Biobibliográfico de Escritores Contemporâneos; Verbete da Enciclopédia de Literatura Contemporânea; Membro de várias instituições literárias; Presente em diversos sites; Reside em Recife/PE.

Nenhum comentário:

Postar um comentário