segunda-feira, 18 de junho de 2012

As mãos do imperador


* Por Anamaria Kováks

O velho Imperador chinês descansava no seu pavilhão predileto. Era outono, e as folhas das árvores caíam em incessante chuva dourada. Sob o sol pálido, ele contemplava o seu país, as montanhas, os campos, os rios e as cidades que mandara construir.

De repente, seus olhos, cansados de tanta luz, abaixaram-se e vieram pousar em suas mãos. Foi como se as visse pela primeira vez. Quanta coisa realizara com elas! Erguera palácios, diques e aquedutos; desviara o curso de rios, construíra muralhas e pontes; assinara tratados de paz e declarações de guerra; condenara homens à morte, sentenciara outros à prisão e a alguns poucos concedera a anistia...

Como estavam velhas aquelas mãos! Pareciam as folhas do outono, encarquilhadas, amarelecidas e manchadas. As veias, saltadas, grossas, emaranhavam-se sob o pergaminho da pele, e os ossos das falanges destacavam-se nitidamente, prenunciando o esqueleto.

O Imperador estremeceu, enquanto um vento gelado lhe descia pelas costas. Passeou os olhos em redor, tentando pensar em outra coisa, mas as folhas douradas a dançar no espaço lembraram-lhe novamente a passagem do tempo.

Que mais fizera com estas mãos? Afagara crianças, acariciara mulheres... pintara quadros, escrevera poemas... Voltou a olhá-las, pensativo. Por fim, apanhou a campainha de prata ao lado da cadeira e agitou-a. Um servo apareceu.

-Chama o meu alfaiate.

-Sim, Majestade.

O servo curvou-se e sumiu. Pouco depois, o velho alfaiate agachou-se diante dele.

-Mandou chamar-me, Majestade... aqui estou.

O Imperador encarou-o com o cenho franzido.

-Deixa ver tuas mãos.

Trêmulo, o alfaiate aproximou-se e exibiu-as. Como as do Imperador, pareciam folhas enrugadas e manchadas. O Imperador disse então:

-Vou lançar um novo estilo para as túnicas dos mandarins.

O alfaiate, surpreso, murmurou:

-Sim, Majestade.

-De agora em diante, o Imperador e sua corte usarão túnicas de longas mangas, que irão até a ponta dos dedos.

-Perdão, Majestade... Isso quer dizer que as mangas cobrirão as mãos?

-Isso mesmo.

-Assim será, Majestade - murmurou o alfaiate, e retirou-se.

O Imperador, satisfeito, recostou-se em sua cadeira e voltou-se novamente para a bela paisagem outonal. Não precisaria mais pensar em suas mãos...

• Escritora, jornalista e professora universitária

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