quinta-feira, 3 de junho de 2010


Racionalizando o irracional

Caros leitores, boa tarde.
O futebol, para mim, tem múltiplas funções (e creio que para muita gente também). A primeira delas, não sei se a principal ou a mais importante, é a de propiciar-me o tão desejável e necessário lazer, ao cabo de dias e mais dias de trabalho e preocupações. Nem sempre, é verdade, acaba tendo essa função plenamente satisfeita. Exemplo? Quando o meu time (e não é segredo para ninguém que é a Ponte Preta) perde. Não me divirto, óbvio, com isso, embora, via de regra, leve a derrota na esportiva (nem sempre, todavia, devo confessar).
A segunda utilidade que o futebol tem para mim é a de propiciar-me contato com amigos (às vezes com inimigos, posto de que forma “civilizada”) e, principalmente, com estranhos. Não faço parte de nenhuma torcida organizada, mas desde que se comporte e não vá ao estádio à procura de brigas e nem para cometer atos de vandalismo (portanto, criminosos), até faço coro com várias delas (as pontepretanas, óbvio), como a “Jovem”, a “Serponte” e outras menos citadas. Afinal, “no man is a island”. Ou seja, “nenhum homem é uma ilha”. Todos fazemos parte de um extenso continente, no caso o que se convencionou chamar de “humanidade”.
Mas o principal motivo de freqüentar os estádios (isso, quando um jogo de futebol não interfira em minhas atividades, digamos, “sérias”) é a de me propiciar útil, necessária e, diria, indispensável catarse. É onde jogo para fora (e a quase totalidade dos outros espectadores também o fazem, posto que cada qual à sua maneira), as tensões, frustrações, iras etc. e outros tantos sentimentos nocivos, que envenenam os relacionamentos cotidianos e, por conseqüência, a minha vida.
Nesse aspecto, o futebol é uma preciosa e oportuna válvula de escape, desde que, claro, essa descarga das coisas ruins que estejam no cérebro se faça, apenas, por palavras, e jamais por atitudes de hostilidade e, pior, de violência. O alvo da nossa ira é, quase sempre, o árbitro. Afinal, é ele que simboliza, no momento em que assistimos a um jogo, a “autoridade” que eventualmente nos oprima, o pai repressor, o chefe inconseqüente e autoritário, o professor que se impõe no grito e não pelo conteúdo intelectual que ostente e assim por diante.
Mesmo quando meu time perde (o que, infelizmente, não é tão raro assim), saio dos estádios rouco (é verdade), mas com a alma leve e até mesmo o corpo parece pesar bem menos. E, reitero, não sou o único que me sinto assim. Pelo contrário, cada pessoa que se fez presente ao jogo que acabei de assistir, se sente da mesma maneira, variando, somente, de intensidade.
Mas o futebol propicia-me, também, oportunidades de racionalizar o que, em essência, é irracional: paixões, iras, frustrações etc.etc.etc. Serve-me de tema para profundas reflexões, sobre mim mesmo, sobre meus semelhantes, sobre vitórias, derrotas, desejos, aprovações e reprovações. Claro que não faço nada disso, por exemplo, no Moisés Lucarelli, o estádio da Ponte Preta, no calor de uma disputa. Faço-o horas (não raro dias) após, na tranquilidade do meu gabinete de trabalho, durante meu exercício diário de meditação (fiz disso um hábito do qual nunca mais abri mão).
Penso, por exemplo, na questão da escolha. Qual é a razão objetiva que me leva a torcer pela Ponte Preta e não por clubes com maior poder econômico que, por conseqüência os leva a contar com os atletas mais hábeis, que os fazem conquistar títulos e mais títulos, como cerca de vinte ou vinte cinco times nitidamente vencedores? Nunca encontrei explicação para isso. Concluo, pois, que não apenas no futebol, como também na vida, nem sempre nossas escolhas são lógicas, utilitárias ou minimamente racionais. Sou tentado a achar que a maioria não é.
Outra coisa em que penso refere-se à fidelidade. Salvo exceções, quem escolhe determinada agremiação para torcer nunca muda, ou seja. jamais passa a apoiar uma outra qualquer. Na ética do torcedor, nada é pior do que o sujeito vira-casaca. Ah, como seria bom se na vida tivéssemos a mesma convicção e lealdade em relação a ideais nobres e construtivos! Mas aí já é querer demais!
O futebol enseja, também, reflexão sobre a importância do grupo, da coesão, da união, da atitude de todos os integrantes de uma determinada equipe remarem sempre numa mesma direção. Quanto mais unido é um time, com cada qual dos seus jogadores executando suas funções específicas, mas invariavelmente em prol do coletivo, sem que um queira aparecer mais do que os demais, maior será seu sucesso.
Pelé, por exemplo, foi um fenômeno desse esporte. Fez coisas que nunca vi qualquer outro atleta dessa modalidade fazer. Mas pusessem ele sozinho, para enfrentar o adversário mais fraco que se possa imaginar, o tal do Íbis, por exemplo, tido e havido como o pior time do mundo para ver o resultado. O que vocês acham que iria acontecer? Ele agüentaria, sozinho, defender e atacar, nos noventa minutos regulamentares e mais uns quatro de acréscimos de uma partida e já nem digo vencer, mas perder por pequena diferença de gols? Duvido! O placar, certamente, seria de uns vinte ou trinta a zero para o time perna-de-pau.
Assim somos nós na vida. O homem somente é o que é, ou seja, o “rei dos animais”, por causa do seu espírito coletivo. Instintivamente, é como outro bicho qualquer, ou seja, individualista e, sobretudo, egoísta. Mas apenas começou a evoluir e a aumentar as chances de sobrevivência quando passou a atuar em cooperação com os semelhantes, num processo de mutua troca de ações.
Não conheço, por exemplo, nenhum leão que seja médico e cure as doenças e feridas de outros leões. Nem elefantes pedreiros, que construam casas para outros elefantes. E muito menos cachorros padeiros, que façam e assem pães para toda a cachorrada.
Apreenderam onde quero chegar? Pois é, e toda essa racionalização do comportamento humano (posto que um tanto caricata, admito), teve como ponto de partida, como inspiração algo trivial e tolo que, em sua essência, é irracional, mas que polariza e aguça nossas paixões: o futebol.

Boa leitura.

O Editor.

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