quinta-feira, 3 de junho de 2010




Por que eu torço para dois times de futebol

* Por Gustavo do Carmo

Sempre fui uma daquelas crianças que "viravam a casaca”. Ainda não entendia de futebol, mas queria torcer de qualquer maneira para um time. Só que, indeciso, mudava a cada semana. Já torci até para o Cruzeiro, sem saber que ele era de Belo Horizonte e de outro estado. É que minha mãe comprou uma camisa do clube mineiro, daquelas da coleção da Hering. Depois, com um pouco de influência da minha mãe e da televisão, que dava grande destaque à boa fase do Flamengo no início dos anos 80, decidi torcer para o rubro-negro. Mas, logo depois, dizia que torcia para o Vasco, para o Fluminense e, depois de algumas conversas com o meu pai, virava botafoguense doente como ele.

A paixão pelo rubro-negro acabou ficando. Decidi que ia torcer definitivamente para o Flamengo. Para o desgosto do meu pai que, procurando manter o respeito e a sua autoridade na família, além de querer me educar, me proibia de mencionar o nome do meu time. Dizia que era palavrão. Com o tempo, ele respeitou a minha torcida pelo Flamengo. No estresse do trabalho, nem tinha tempo para falar de futebol. Precisava se preocupar com coisas mais importantes.

Veio a decisão do Campeonato Carioca de 1989. O Botafogo tinha a primeira chance e, talvez a última, de acabar com o jejum de 21 anos sem título. Indiferente ao martírio alvinegro, eu ia torcer para o meu Flamengo. Na época, já gostava de Fórmula 1 e colecionava o álbum de figurinhas. Claro que eu era dependente financeiramente do meu pai e não podia comprar várias de uma vez. Solidário, meu pai se dispôs a ajudar a completar o álbum comprando um grande maço de figurinhas com a condição de... o leitor deve imaginar qual.

Torci como nunca. Para o Botafogo. Fim de jogo e comemorei com Coca-Cola, ao lado do meu pai, o fim do jejum de duas décadas e as novas figurinhas que enriqueceriam o meu álbum. Meu pai cumpriu a promessa. No mês seguinte já torcia de novo para o Flamengo.

Flamenguista, eu só teria direito à camisa do clube pedindo para a minha mãe. Ir ao Maracanã, nem pensar. Eu mesmo tenho medo. Só podia comentar sobre o meu time com uns poucos colegas de escola. Os mais próximos não gostavam de futebol. Dos que gostavam, a maioria era vascaína.

Na família, só tenho três primos flamenguistas. Bem mais velhos do que eu e de pouco contato pessoal. Já o único primo da minha idade é botafoguense. Assim como o pai, o tio e o primo dele e o pai português de um dos meus dois primos flamenguistas. Eu parecia torcer sozinho. Aos quase quinze anos, a minha idade já pedia para não ficar mudando de time.

Com tanta influência alvinegra, decidi assumir a minha torcida dupla. A decisão do Campeonato Brasileiro de 1992 foi a final dos meus sonhos. Dois clubes cariocas e pelos quais eu torço. Escolhi o Botafogo para torcer porque ele ainda nunca havia sido campeão brasileiro. O Flamengo já conquistara quatro vezes até então. Acabou vencendo pela quinta vez e fiquei feliz do mesmo jeito.

O sonho do título brasileiro do Botafogo tornou-se realidade três anos depois. A expectativa pelo título coincidiu com outro bom momento alvinegro: a reinauguração e a volta para a antiga sede da Rua General Severiano, que estava abandonada há anos. O clube lançou uma intensa campanha para atrair novos sócios e o meu pai resolveu comprar um título em meu nome. E eu aceitei.

Ele até queria comprar um título do Flamengo (na Gávea), mas eu preferi o Botafogo por achar mais perto e a condução desde Bonsucesso mais fácil. No ano seguinte eu estudaria em uma faculdade do bairro e acreditava que frequentaria mais o clube. Puro engano. A faculdade ficava muito distante. Era possível ir a pé, mas a caminhada era longa. Quando eu ia ao Rio Sul, passava sempre por perto, mas sempre faltava um comprovante de residência, um recibo de pagamento, uma foto ou simplesmente encontrar a secretaria aberta. Nunca fiz a carteira de sócio. Deixei até de pagar. Achei melhor apenas torcer para o Botafogo.

E foi torcendo para ele que fui ao Maracanã apenas duas vezes na minha vida. A primeira em um amistoso que terminou empatado contra o Palmeiras e a segunda, a decisão da Taça Guanabara de 1997 contra o Vasco. O Botafogo venceu por 1 a 0 e conquistou, não só o turno disputado no jogo, como também o próprio campeonato estadual meses depois.

Quem leu esse trecho da crônica deve ter concluído que eu virei a casaca mais uma vez e me assumi exclusivamente botafoguense. Enganou-se. Também fiquei muito feliz com os estaduais de 1996, 1999, 2000, 2001, 2004, a Copa Mercosul de 1999, a Copa dos Campeões 2001, a Copa do Brasil de 2006 e, claro, o Campeonato Brasileiro do ano passado, conquistados pelo Flamengo. Os três estaduais que o Flamengo ganhou em cima do Botafogo de 2007 a 2009 também me deixaram bastante satisfeito, mas me emocionei com a conquista do Botafogo de Joel Santana neste ano, sem necessidade de final geral.

Às vésperas do dia dos pais de 2008 ganhei uma camisa nova do Botafogo. Branca, oficial da Kappa, com o patrocínio da Liquigás. Foi um presente do meu primo flamenguista para o meu pai. Acabei ficando com o uniforme. Somou-se às três camisas (duas oficiais dos anos 90) do Flamengo e uma do Botafogo (comprada na reinauguração de General Severiano, em 1995, por 42 reais) que eu já tinha.

É mais um motivo para a maioria monoclubista me chamar de louco. Mesmo assim, continuo sem ter vergonha de dizer que torço para dois times de futebol. Quando alguém me pergunta o motivo eu respondo que sou flamenguista para torcer sozinho e botafoguense para torcer com o meu pai.

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores

3 comentários:

  1. Gustavo meu pai é vascaíno e sempre tentou nos
    "comprar" e engordar a torcida do seu time.
    E vou ser bem sincera contigo, nem com ar de
    "Charles Bronson" ele conseguiu. Somos em cinco
    e todas Flamenguistas.
    Nem meu tio com sua pastinha 007 cheia de chocolates e biscoitos dos mais diferentes
    sabores conseguiu nos corromper, aceitamos os
    doces mas depois saíamos correndo e rindo da cara dele.
    No meu coração só tem espaço pro Mengão.
    Mas gostei do texto! rsrs
    Abraços

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  2. Oi, Gustavo, achei alguém mais "doido" do que eu. Eu torço pra três, mas desde sempre foi assim. No Recife pro Sport, o Flamengo desde a primeira vez que ouvi falar em futebol, e quando cheguei aqui pro Corinthians...rs
    Mas só tenho camiseta do Corinthians.
    Abraços

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  3. Nossa, mas que coisa surreal isso.
    Minha familia toda é corinthiana, mas sou são paulina e nunca mudei de time.

    Sua história é mais do que surpreendente rsrsrs.

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