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A Tareia
* Por Pedro Silva
Quando há problemas graves entre dois irmãos, normalmente tudo se resolve através de uma técnica muito antiga: tareia! E vejamos se esta é ou não a melhor opção. Aqui vai.
Há pouco, mas pouco tempo existia uma pequena terra, sabe-se lá onde, que era habitada por um povo muito violento. Parecia até que se tratava de animais, tal era a sua vontade de guerrear, de criar confusão. O seu chefe máximo chamava-se Jacinto e tinha a seu lado Júlio, seu fiel companheiro e irmão.
Antes de qualquer refeição, mesmo que disso não tivessem vontade, começavam uma guerrilha, apenas porque era costume.
O mais velho perseguia o outro, levando, em contrapartida, pontapés, não deixando, é claro, de lhe aplicar umas valentes estaladas. Tareia completa, que terminava com um deles a chorar e bastante magoado.
Mas, fora da casa do rei, a situação não era diferente. Arriscava-se a ser considerado o reino da tolice. Maridos batiam nas mulheres, mulheres esbofeteavam os filhos e, por sua vez, as crianças vingavam-se pisando as caudas aos animais. Bem, por assim dizer, a situação dos habitantes era uma cópia perfeita daquilo que os seus líderes faziam.
Por toda aquela povoação a guerra era motivo de grande alarido e, claro, não havia qualquer possibilidade de se passar sem ela.
Sendo assim, este povo era até bastante recente e, previa-se, não duraria muito mais. Tantos maus-tratos só podiam levar a uma conclusão: alguns iam parar ao hospital, outros decidiam mudar de terra e outros ainda, zangavam-se de tal forma que rebentavam de raiva.
O rei Jacinto, do alto do seu castelo, via, todos os dias, mais algumas pessoas a abandonar a sua terra, que tanto lhe custara a conquistar. Na altura, pensara, um pouco de socos não fariam mal a ninguém e, por outro lado, ajudariam a que outros povos os temessem.
Porém, do outro lado do rio, habitava um povo alegre, composto só de pessoas que adoravam praticar o bem e que detestavam violência, sendo inclusivamente proibida por decreto real. O rei, e o seu irmão, decidiram então ir observar o que acontecia do lado e lá, para perceberem a razão de tanta felicidade quando, no seu reino, pairava uma tristeza infinita.
Entrando na outra cidade ficaram espantados ao ver que tudo corria da melhor maneira e que, inclusivamente, alguns dos habitantes do seu reino haviam-se mudado para ali, a fim de viverem outra vida, bem melhor por sinal. Então, os dois irmãos tiveram a ideia de falar com o rei daquele povo – o Rei Bonzinho, como lhe chamavam.
- Olá, sejam bem vindos, meus caros vizinhos. – cumprimentou o rei bom.
- Não sei para que servem esses cumprimentos. Vamos mas é maltratar-nos. – começou logo o rei Jacinto, ajudado de imediato pelo seu irmão, bem mais forte que ele e, ainda por cima, usando calças para crianças de dezasseis anos, quando, na verdade, apenas tinha oito.
Milhares de murros depois, estava o rei bom todo partido, mas os dois irmãos, pela primeira vez, não se sentiram satisfeitos com toda aquela violência. Afinal, o seu opositor não tinha oferecido resistência. Fora só bater e, com tanta facilidade, havia algo de sensaborão na sua atitude.
Como tal, apesar de ter havido enorme pancadaria, regressavam, pela primeira vez, tristes com a sua atitude. Já no castelo, e dado que se preparavam para jantar, a guerrilha começou, mas, desta vez, atingiu níveis graves.
O mais pequeno, atingido no olho, caiu no chão, deitando sangue e queixando-se com muitas dores. O rei Jacinto, que gostava muito de Júlio, enquanto corria com ele ao colo, na direcção do hospital, chorava que nem uma criança.
Ele gostava tanto daquele miúdo e agora, por causa da estupidez da violência, podia ter cegado o seu irmão!
No hospital, os médicos referiram que, talvez, ainda houvesse hipótese de lhe salvar a vista, mas isso era muito complicado e apenas na cidade do rei bom havia um cirurgião capaz de tal feito.
O rei Jacinto ficou alarmado. Como iria ele pedir ajuda àquele rei a quem tanto maltratara? De cabeça baixa, e pedindo desculpas, chegou ao castelo do reino vizinho.
O rei bom, como tinha um coração amigo, aceitou de imediato. O irmão do rei, que já não era mau, foi operado e ficou bom. O rei bom continuou bom e ficou contente com o facto do irmão do rei, que já é bom, ter ficado bom. (Bom, que confusão!)
Seja como fora, a conclusão é que, realmente, o melhor é nunca haver guerras e que aquilo que há de mais bonito e saudável é todos serem bons uns para os outros.
Penso que ficou assim bem esclarecido que a pancadaria, em nenhuma circunstância, resolve os problemas. Apenas o diálogo e a calma nos podem ajudar nas mais diversas ocasiões.
Paz para todos é o que desejamos!
• Com mais de quarenta livros publicados, em países tão díspares quanto Portugal, Brasil, Espanha ou Chile, o autor português Pedro Silva (1977) tem, igualmente, produzido títulos em diversas áreas temáticas, tais como o ensaio histórico, a ficção, o roteiro turístico ou mesmo os contos. Para além disso, o escrito, tem-se dedicado igualmente a colaborar com diversos jornais portugueses, assim como revistas de História em Portugal e Brasil, tais como “História Viva”, “Desvendando a História” ou “Aventuras na História”. Contacto: ps77@aeiou.pt
* Por Pedro Silva
Quando há problemas graves entre dois irmãos, normalmente tudo se resolve através de uma técnica muito antiga: tareia! E vejamos se esta é ou não a melhor opção. Aqui vai.
Há pouco, mas pouco tempo existia uma pequena terra, sabe-se lá onde, que era habitada por um povo muito violento. Parecia até que se tratava de animais, tal era a sua vontade de guerrear, de criar confusão. O seu chefe máximo chamava-se Jacinto e tinha a seu lado Júlio, seu fiel companheiro e irmão.
Antes de qualquer refeição, mesmo que disso não tivessem vontade, começavam uma guerrilha, apenas porque era costume.
O mais velho perseguia o outro, levando, em contrapartida, pontapés, não deixando, é claro, de lhe aplicar umas valentes estaladas. Tareia completa, que terminava com um deles a chorar e bastante magoado.
Mas, fora da casa do rei, a situação não era diferente. Arriscava-se a ser considerado o reino da tolice. Maridos batiam nas mulheres, mulheres esbofeteavam os filhos e, por sua vez, as crianças vingavam-se pisando as caudas aos animais. Bem, por assim dizer, a situação dos habitantes era uma cópia perfeita daquilo que os seus líderes faziam.
Por toda aquela povoação a guerra era motivo de grande alarido e, claro, não havia qualquer possibilidade de se passar sem ela.
Sendo assim, este povo era até bastante recente e, previa-se, não duraria muito mais. Tantos maus-tratos só podiam levar a uma conclusão: alguns iam parar ao hospital, outros decidiam mudar de terra e outros ainda, zangavam-se de tal forma que rebentavam de raiva.
O rei Jacinto, do alto do seu castelo, via, todos os dias, mais algumas pessoas a abandonar a sua terra, que tanto lhe custara a conquistar. Na altura, pensara, um pouco de socos não fariam mal a ninguém e, por outro lado, ajudariam a que outros povos os temessem.
Porém, do outro lado do rio, habitava um povo alegre, composto só de pessoas que adoravam praticar o bem e que detestavam violência, sendo inclusivamente proibida por decreto real. O rei, e o seu irmão, decidiram então ir observar o que acontecia do lado e lá, para perceberem a razão de tanta felicidade quando, no seu reino, pairava uma tristeza infinita.
Entrando na outra cidade ficaram espantados ao ver que tudo corria da melhor maneira e que, inclusivamente, alguns dos habitantes do seu reino haviam-se mudado para ali, a fim de viverem outra vida, bem melhor por sinal. Então, os dois irmãos tiveram a ideia de falar com o rei daquele povo – o Rei Bonzinho, como lhe chamavam.
- Olá, sejam bem vindos, meus caros vizinhos. – cumprimentou o rei bom.
- Não sei para que servem esses cumprimentos. Vamos mas é maltratar-nos. – começou logo o rei Jacinto, ajudado de imediato pelo seu irmão, bem mais forte que ele e, ainda por cima, usando calças para crianças de dezasseis anos, quando, na verdade, apenas tinha oito.
Milhares de murros depois, estava o rei bom todo partido, mas os dois irmãos, pela primeira vez, não se sentiram satisfeitos com toda aquela violência. Afinal, o seu opositor não tinha oferecido resistência. Fora só bater e, com tanta facilidade, havia algo de sensaborão na sua atitude.
Como tal, apesar de ter havido enorme pancadaria, regressavam, pela primeira vez, tristes com a sua atitude. Já no castelo, e dado que se preparavam para jantar, a guerrilha começou, mas, desta vez, atingiu níveis graves.
O mais pequeno, atingido no olho, caiu no chão, deitando sangue e queixando-se com muitas dores. O rei Jacinto, que gostava muito de Júlio, enquanto corria com ele ao colo, na direcção do hospital, chorava que nem uma criança.
Ele gostava tanto daquele miúdo e agora, por causa da estupidez da violência, podia ter cegado o seu irmão!
No hospital, os médicos referiram que, talvez, ainda houvesse hipótese de lhe salvar a vista, mas isso era muito complicado e apenas na cidade do rei bom havia um cirurgião capaz de tal feito.
O rei Jacinto ficou alarmado. Como iria ele pedir ajuda àquele rei a quem tanto maltratara? De cabeça baixa, e pedindo desculpas, chegou ao castelo do reino vizinho.
O rei bom, como tinha um coração amigo, aceitou de imediato. O irmão do rei, que já não era mau, foi operado e ficou bom. O rei bom continuou bom e ficou contente com o facto do irmão do rei, que já é bom, ter ficado bom. (Bom, que confusão!)
Seja como fora, a conclusão é que, realmente, o melhor é nunca haver guerras e que aquilo que há de mais bonito e saudável é todos serem bons uns para os outros.
Penso que ficou assim bem esclarecido que a pancadaria, em nenhuma circunstância, resolve os problemas. Apenas o diálogo e a calma nos podem ajudar nas mais diversas ocasiões.
Paz para todos é o que desejamos!
• Com mais de quarenta livros publicados, em países tão díspares quanto Portugal, Brasil, Espanha ou Chile, o autor português Pedro Silva (1977) tem, igualmente, produzido títulos em diversas áreas temáticas, tais como o ensaio histórico, a ficção, o roteiro turístico ou mesmo os contos. Para além disso, o escrito, tem-se dedicado igualmente a colaborar com diversos jornais portugueses, assim como revistas de História em Portugal e Brasil, tais como “História Viva”, “Desvendando a História” ou “Aventuras na História”. Contacto: ps77@aeiou.pt
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