sexta-feira, 25 de junho de 2010




Michael Jackson, o filho do pai

* Por Urariano Mota

Vai fazer um ano que os jornais de todo o mundo destacaram a noticia aparecida no The Wall Street Journal: Joseph, ou Joe, o pai de Michael Jackson, estava fora do último testamento do artista, registrado em 7 de julho de 2002. E depois acrescentaram, de passagem, que Michael e Joe haviam tido uma relação muito conturbada, porque o filho era agredido pelo pai desde a infância.
A primeira surpresa que nos causou, e a todos que vivemos fora dos palcos, foi que um homem no gozo de suas forças vitais preparasse e registrasse as suas últimas vontades na idade de 43 anos. Essa era a idade de Michael então, porque ele nascera em 29 de agosto de 1958. Ora, dissemo-nos os marginais da cena: se uma pessoa não padece de enfermidade letal, aos 43 deve ter projetos para os próximos trinta anos. Para quê distribuir os bens tão antes da hora? Mas nós, a maioria em torno de 99, 99%, não tínhamos nem temos sequer por sonho 500 milhões de dólares, a fortuna de Michael Jackson em 2002. Mortais pobres, somos donos de fazendas em terras do nunca. Ou fazendas no ar. Se tivéssemos ao menos uma Neverland, seria outra história.
A segunda surpresa, ou surprise, foi saber que o pai havia sido expulso da fortuna em 2002 por supostos maus-tratos, supostos, como fala o último jargão da moda. Na verdade, uma “surpresa”, porque todos sabíamos por notícias, muito antes, quem era Mr. Joe Jackson. Esquecíamos, ou melhor, fazíamos de conta que esquecíamos, para tirar de nossa memória um pai tão conhecido, no Brasil, em nossa rua, em nossas famílias, em todo o mundo. Um pai rude e brutal, como este encontrado em qualquer Wikipédia:
Michael e oito irmãos moravam em uma pequena casa de dois quartos. De acordo com as regras rígidas do pai, as crianças eram mantidas trancadas em casa enquanto ele trabalhava até tarde da noite. Entretanto, as crianças escapavam frequentemente para as casas dos vizinhos, onde cantavam e faziam música. Os irmãos mais velhos mexiam na guitarra do pai Joseph, sem sua permissão, enquanto ele estava no trabalho. Então o grande Joe, esperto, notou o talento dos filhos e resolveu ganhar dinheiro com isso. Era um homem inteligente, esse Joe.
Durante a infância, Michael e irmãos sofreram constante abuso do pai. O grande Joe batia com frequência nas crianças, e as aterrorizava psicologicamente. Os ensaios de música eram supervisionados pelo pai com um cinto na mão, 10 horas por dia. Mas não só isso. La Toya, irmã de Michael, mais tarde acusou o pai de abuso sexual dos filhos. Em “La Toya: Crescendo na Família Jackson", ela fez a grave revelação de que o pai a molestava sexualmente quando criança. No álbum "No Relations" (Toco/Polygram), ela pediu numa das canções ("Submission"), que seus irmãos fizessem como ela, tomassem coragem e denunciassem tudo o que sofreram, para que os crimes contra crianças em todo o mundo parassem.
A isso, a essa loucura da louca filha, Joe não respondeu. Mas no que se refere a violência, declarou em entrevista que surrava, surrava, sim, o cantor com um cinto quando ele era criança. “Para o seu bem”. E...
"Eu dava 'chicotadas' nele com um cinto. Nunca bati nele. Você bate em alguém com uma vara", afirmou no programa Louis, Martin and Michael, transmitido pela BBC na Grã-Bretanha. Ah, bom. Tão parecido, tão igual a pais brasileiros e americanos, não é mesmo?
Houve uma vez em que Michael e irmãos foram dormir no quarto de um hotel e esqueceram a janela aberta. Por quê e para quê? O grande Joe escalou a janela com uma máscara no rosto e deu um tremendo susto nos filhos, que era para eles tomarem tento e lição. Anos depois, Michael Jackson relataria sofrer pesadelos, que sempre se via sequestrado do quarto e chorava muito com isso. Durante uma entrevista a Oprah Winfrey, em 1993, Michael confessou que durante a infância chorou muitas vezes por solidão e que em mais de uma ocasião vomitou só de ver o pai.
Hoje, sem esforço podemos ver o pânico dos pesadelos de sua infância em Thriller, aqui, http://www.youtube.com/watch?v=AtyJbIOZjS8&feature=fvst . No videoclipe há uma encenação de terrores infantis, de máscaras, gritos, que Michael repetiria em outros e ouros clipes. E todos nós, comuns mortais, a guardar nossos terrores sob o tapete da memória, apenas achávamos engraçados, enredos bem sacados, bonitos de serem vistos, enquanto Michael a cantar e a dançar se transformava. Com máscaras, contorções, desequilíbrios, ritmo, passos, faces e peles. Com uma voz infantil que muitos confundiam com afeminada.
Confesso que jamais fui admirador de Michael Jackson. Mas ao saber dos traumas de sua vida, passei muitas horas a vê-lo no YouTube com interesse e horror. Enquanto ele dançava não me saía da canção interna a imagem de Joe, o grande Joe Jackson, com suas sobrancelhas finas, rapadas, com seu ar de canalha, como um vilão de filme B.


Thriller.


• Escritor e jornalista

Um comentário:

  1. São, pois, diversas maneiras de contar uma história. A lógica mostra que a sua versão passa perto do real.

    ResponderExcluir