quarta-feira, 23 de junho de 2010




Um Jovem que sonhou demais!

* Por Patrick Raymundo de Moraes

Ando sem rumo pelas ruas encharcadas de lixo e de perfídia. Ricos e pobres andando lado a lado, nessa noite chuvosa. A chuva não faz distinção entre ricos e pobres, mas o dinheiro o faz. O rico garoto não deve ter mais do que vinte anos, dirigindo um carro importado, regula a temperatura de seu carro, enquanto o pobre homem, de meia idade, sofre tentando desembaçar o vidro dianteiro de um carro da década de 70 que, aliás, está precisando trocar a borracha do“limpa-vidros”. Não acreditei que vi um carro Opala 1972, de cor vermelha, quase intacto.
Continuo andando nessa chuva tenebrosa, sem um guarda-chuva sequer. Meu casaco já não protege mais e eu não estou precisando de outro resfriado agora. O que estou fazendo na chuva? Eu me pergunto isso, depois de ter andado quarteirões inteiros. Talvez seja para que a água, que escorre abundantemente em meu rosto, possa camuflar as lágrimas que insisto em negar. O motivo? Eu não sei ao certo, pois meu coração insiste em negar o que o cérebro já viu. Estava jogando em um fliperama, algumas horas atrás. Sou bom em um jogo de luta de rua e estava enfrentando um adversário digno, quando aquele perfume, aquela presença, se manifestou atrás de mim. Senti-a tocar-me nas costas e me virei sabendo o que meus olhos veriam. Era ela! Os cabelos castanhos claros, com aquela mecha prateada caindo ao lado do olho, exalavam um perfume maravilhoso. Quando aqueles olhos de mel sorriram para mim, não me importava mais com os jogos. Que meu adversário proclamasse sua vitória, pois o meu troféu já havia chegado.

Ela ainda usava aparelho nos dentes, mas o sorriso branco e tímido era inquestionavelmente belo. Abraçamo-nos com verdadeira alegria e pude sentir a maciez de seu corpo jovial e o calor de seus braços. Eu a conheci em um campeonato de Karatê, que eu estava observando e quisera o destino que estivéssemos matriculados na mesma sala de aula. O corpo dela era flexível e bastante moldado pelos exercícios físicos. Quisera o destino, novamente, que nos encontrássemos em meu covil de jogos. Se eu não estava treinando Kung-fu, (sim, eu não faço Karatê, apenas fui observar o evento), eu estava treinando jogos. Ela corta meu devaneio com sua voz firme e doce:
- Esse é meu irmão e ele veio comigo aqui. – Ela aproxima-se de mim, bem perto de meu ouvido, e diz baixinho, em confissão de crime: “Vamos sair daqui?”
- Imediatamente! – respondo eu. Nos despedimos do irmão mais velho. Eu pensei: seria isso um encontro? Depois de quase seis meses estudando juntos, ela estava me convidando para sair? Estávamos em um salão de jogos dentro de um shopping. Conversamos muito, pegamos uma escada rolante para o andar de baixo e ela nos guiou até uma loja de roupas masculinas. Era tudo o que eu queria: sair com ela, estar com ela e beijá-la. Seria o momento? Entramos na loja e um rapaz sorridente veio nos receber. Ela se aproximou dele e ambos se beijaram ardentemente, na minha frente. “Que maldição era essa?”, pensei.
— Espera aqui uns trinta minutos, que a gente já volta! – ela pede com um sorriso no rosto. Ele a segue sorridente (que rapaz alegre irritante) e me dá três tapinhas nas costas para selar minha cumplicidade no que eu, depois de respirar fundo, comecei a entender. Ela não queria sair comigo.
Eu sou um rato de fliperama, que faz kung-fu e lê história em quadrinhos. Ela apenas me usou para despistar o irmão, para poder sair com o namorado, sem a influência da proteção do irmão mais velho. Fui um joguete, em um ardil momentâneo. Percebi que era um relacionamento que a família não se agradava. O que mais me irritava era que ela sabia de meus sentimentos para com ela e, mesmo assim, usou-me friamente para se encontrar com o amor proibido. Nesse momento, eu gostei de saber que Romeu e Julieta morriam, em peça clássica, e isso me dava consolo e frieza.
Saí da loja, comprei um cd, esperei o relógio avançar e ela virar uma abóbora. Como os 30 minutos passaram e isso não aconteceu, eu tive o desprazer de ter que me intrometer nos beijos e afagos de ambos e dizer a ela que o tempo estava esgotado. Como eu pude me rebaixar a tanto? Cronometrando o tempo do pecado. Voltamos ao Fliperama e eu estava louco para dizer que ela, diabolicamente, havia enganado a ambos, entretanto, a voz dela rompeu meu devaneio novamente, quando ela suplica: “Não diga nada ao meu irmão, por favor!” Eu devo ser um trouxa mesmo, porque basta uma palavra daqueles lábios e tudo se esvai. Despedi-me de ambos, saí do shopping e fui andar.
Não tinha reparado na chuva até ver o carro importado. O rapaz, vendo o sinal verde, avançou com toda fé na sua tecnologia importada e molhou uma senhora que esperava o ônibus no acostamento. Eu não resisti: ”Barbeiro de fim de semana! Teu pai merecia tirar tua carteira”, gritei mostrando-lhe o dedo ofensivamente. Erro meu. Ele parou, deu ré em plena avenida, saiu do carro. Eu fiquei parado, em pé, na chuva, ensopado. Nossos olhos se fixaram. O kung-fu me deu uma segurança boba, de que eu poderia enfrentar a tudo e a todos, e o sentimento de justiceiro, de herói, aflorou violentamente e eu estava disposto a tudo para vingar o pobre motorista do Opala 72 e a pobre senhora no ponto de ônibus, mas eu não sou o super-herói e nem tenho colete. Um tiro certeiro me pegou no coração. Caí. Ouvi gritos distantes, sons de sirene de polícia, mas já era tarde, o “herói” da vida real: ensopado, humilhado e atingido, estava morto.

• Colaborador do Literário

Um comentário: