terça-feira, 22 de junho de 2010




Literatura & Vida

* Por Risomar Fasanaro

O primeiro e-mail que abri na sexta–feira pela manhã era um lindo texto que diziam ser de Jorge Luís Borges. Após a leitura, disse ao amigo de Brasília que me enviara, que pressentia ser aquele um dia muito especial. É que à noite uma de minhas maiores amigas, Alfredina Nery, comemoraria 40 anos de magistério, e os que acompanharam seu trajeto na Educação se reuniriam para comemorar. Valeria a pena. Dina, como a chamamos, é uma daquelas professoras que se dedicam de corpo e alma à Educação, merece todas as homenagens, e eu esperava o melhor naquele dia. Mas não foi bem assim.


Logo depois vi pela internet que José Saramago havia morrido, e sempre que morre algum artista fico muito baqueada. E quando se trata de alguém que além de artista é uma pessoa imprescindível como é Saramago, já sei que a dor poderá passar, mas reviverá a cada leitura de seus textos, a cada lembrança de suas palavras.


Tardiamente vim a conhecer sua obra. Mas ela me veio por mãos muito especiais, em 1980.
Eu me correspondia com José J. Veiga, o escritor goiano autor de “Os Cavalinhos de Platiplanto”, entre outras obras, e um dia ele me perguntou se já havia lido algum livro do autor português. À minha resposta negativa ele me enviou a cópia de três páginas do livro “Levantado do Chão”, que estava lendo.


Foi amor à primeira vista, e ao expressar isso ao José J. Veiga ele me enviou o “Memorial do convento”. Os outros livros eu mesma comprei.


Ler Saramago é esquecer-se de comer, de beber, de dormir, tanto nos prendem seus textos, mas de tudo o que mais me emocionou foi quando em seu discurso de posse ele falou com toda ternura sobre o avô camponês e suas lembranças de menino.


Ali percebi que o avô esteve sempre presente em suas obras, que muitas vezes se mesclou em algumas de suas personagens. Sim, cada um tem aquilo que merece. Além de um avô, o de Saramago é responsável por aquela sensibilidade, por aquele olhar que tudo via, por aquele coração que parecia pulsar ao som de um fado. Eu não conheci nenhum dos meus avós.


Saramago sempre me fascinou, seja por ter sido uma pessoa verdadeira, por ter tido a coragem de revelar ao mundo quem ele era, por ter sido sempre fiel aos seus princípios, às suas crenças. Talvez o homem Saramago tenha me encantado tanto ou mais do que o escritor.


Amigo de Fidel Castro, quando este mandou executar três dissidentes cubanos que tentavam sair de Cuba, ele rompeu os laços que tinha com aquele governante. A partir dali, disse ele, seguiremos caminhos opostos.


Naquela ocasião constatei o quanto era corajoso ao se colocar contra qualquer um quando se tratava de defender a vida, e minha admiração cresceu muito mais... Quem entre os grandes da atualidade é capaz de um gesto tão nobre? Pouquíssimos.


Dois anos depois se reencontrou com Fidel, mas o importante foi ter manifestado, quando era preciso, sua discordância do amigo.


Quem sabe, como Fernando Pessoa ele tenha concluído que diante da vida a literatura não é nada? Livros, disse um dia o poeta, são apenas papéis pintados...


Antonio Gonçalves Filho no jornal “O Estado de S. Paulo” de domingo nos revela que para Saramago “a democracia está gravemente enferma, e é preciso ensinar cidadania às crianças antes que seja tarde”.


Pois é...minha sexta-feira terminou com o reencontro de amigos que não via há muito tempo, na comemoração de minha amiga, e mais do que nunca refleti sobre a importância da amizade e sobre a importância da vida que tanto Saramago defendeu.

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

5 comentários:

  1. Através de suas palavras Riso, Saramago
    virou uma pintura.
    Parabéns querida por tanta sensibilidade.
    Beijos

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  2. Saramago era um homem bom, aprendemos muito com a escrita desse ateu. O mundo literário de luto com a perda do escritor e Prêmio Nobel, José Saramago.
    Parabéns professoramiga!
    Beijos

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  3. Risomar, seu texto está riquíssimo, como sempre. Uma bela homenagem ao grande autor Jose saramago. Beijos.

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  4. Falar de Saramago é inevitável por esses dias. E você o humanizou ainda mais, trazendo-o para junto da gente. Muito gostosa essa sua homenagem.

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  5. Obrigada, amigos queridos, sempre! Os comentários de vocês são alimento de que preciso para cntinuar escrevendo.
    Beijos

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