quinta-feira, 24 de dezembro de 2009




Difícil talento - I

* Por Gustavo do Carmo


Ouviu um não mais uma vez. O pior não era apenas ouvir o ‘não’. Era recebê-lo, algumas vezes, acompanhado do nada elogioso “Esse cara é muito ruim!”. E a cara não fazia diferença se era homem ou mulher. Era unissex. Ruim do mesmo jeito.

Agostino já estava acostumado com isso. Mas nunca desistia. Já procurava um outro coitado para revelar o seu talento para qualquer coisa: cantor, cantora, ator, atriz, jogador de futebol, jogadora de vôlei, artista plástico, bailarinas, etc.

Ele mesmo sonhava em ser escritor. Nunca escreveu nada Pelo menos que a família sabia. Rabiscava algumas letras em um papel de pão. Depois guardava tudo na gaveta e voltava para a realidade.

Agostino nasceu em Tacaimbó, agreste de Pernambuco, em uma família pobre. Aos dezoito anos veio para o Rio de Janeiro com os pais e o irmão. Começou trabalhando como peão de obra.

Meses depois, no serviço, viu um colega cantar uma música do Luiz Gonzaga e adorou. Precisou insistir com o cantor amador para que ele gravasse uma fita com os seus sucessos. Depois de muita resistência, Elielton aceitou gravar cinco músicas. Agostino correu para a Rádio Nacional em um dia de folga. Imaginava-se ganhando uma polpuda comissão de 10% do novo talento que descobriu.

Esperou cinco horas para mostrar a fita ao diretor da rádio. Pensou em desistir quando imaginou que o sucesso do seu novo talento poderia enfraquecer a sua amizade, pois Elielton ficaria famoso e o trocaria por um empresário mais influente e menos honesto. Agostino decidiu entregar a fita.

— Você está de gozação comigo? – bufou o mal-humorado diretor. — Isso aqui é um desrespeito à memória do Rei do Baião. Ele nunca desafinou e maltratou tanto o acordeão assim! Esse cara é muito ruim!

Os aspirantes a cantor e empresário deixaram o prédio da rádio humilhados. Nem a fome que passaram no Nordeste os humilhou de maneira tão assaz. O medo de Agostino perder a amizade de Elielton tornou-se real. Não por causa do sucesso, mas motivado pela vergonha. Agostino ficou sozinho na Praça Mauá.

(CONTINUA NA PRÓXIMA SEMANA).

* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores

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