terça-feira, 29 de dezembro de 2009




Cem anos do 1° voo da América do Sul - I

* Por Risomar Fasanaro

O primeiro vôo da América do Sul vai fazer 100 anos no próximo dia 7. E poucos sabem, mas foi em Osasco, município da grande SP, que Dimitri Sensaud de Lavaud, um espanhol nascido em Valadolid, então um jovem e belo rapaz, realizou aquela proeza. O casarão de cujo quintal partiu o avião São Paulo, e que hoje abriga o museu municipal, foi restaurado e deverá receber a visita de pessoas interessadas naquele feito histórico.

Influenciado pelas notícias que chegavam de Santos Dumont em Paris, aquele jovem curioso e inquieto resolveu criar um avião.

Dimitri era filho do francês Evaristhe Sensaud de Lavaud e de Alexandrine Bogdanoff, russa de nascimento que além de tocar piano, violino e mandolina, falava russo, alemão, inglês, francês, espanhol, grego, italiano e português. Dimitri tinha quinze anos, e veio com a família de Paris para o Brasil, e instalou-se em Osasco, no chalé que hoje abriga o museu que recebeu seu nome.

Muito curioso, ele pesquisava tudo sobre aviação. É provável que tenha mantido algum contato com Santos Dumont, pois Victor Brecheret tinha uma casa no bairro de São Francisco, que faz divisa com Osasco, e dizem que Santos Dumont visitava o amigo nessa chácara que hoje é uma escola infantil. É possível que Dimitri tenha se encontrado com o pioneiro da aviação, e decidido que também iria voar.

Em Osasco naquela época havia muitas chácaras. Os modernistas Oswald e Mario de Andrade e Tarsila do Amaral frequentemente passavam os finais de semana no bairro paulistano. Moradores antigos contavam que quando a bailarina russa Isadora Duncan esteve no Brasil, Oswald de Andrade a trouxe e, aqui, ela dançou seminua para ele. Em seu livro “Um Homem sem Profissão” o escritor escreveu sobre esta passagem de sua vida.

Dimitri já era casado quando em 1909, carregando seus rascunhos, se dirigiu à oficina Graiy Martins, que se localizava em frente à estação Júlio Prestes, em São Paulo. Procurava um mecânico habilidoso, capaz de transportar para o metal o seu projeto do motor. Indicaram-lhe Augusto Fonseca, um mecânico experiente, mas como este cobrou muito caro pelo trabalho, ele acertou com Lourenço Pellegatti um jovem de dezessete anos que, apesar da pouca idade, já se destacava como um bom profissional.

No domingo seguinte Pellegatti, que morava na Lapa, foi de bicicleta ao chalé onde moravam os pais do amigo. E já naquele domingo os dois se entregaram de corpo e alma à construção do avião. Era tanto o entusiasmo de ambos, que o jovem mecânico não voltou para casa, deixando seus pais apreensivos. Dias depois seu irmão mais velho o localizava em Osasco, tão preocupado com os rumos da construção do avião, que não se dera conta da apreensão que seu desaparecimento provocaria nos familiares.

O inventor continuava seus estudos e, muitas vezes, contou-nos Pellegatti, nos anos 70, acordava-o em plena madrugada, para mostrar-lhe alguma nova descoberta no projeto em andamento e, se Pellegatti discordava dele em alguma coisa, ele o chamava de burro, com o carregado sotaque francês que adquirira durante a convivência com a família e os vários anos que residira na França. Mas logo depois lhe pedia desculpas ao reconhecer que o amigo mecânico estava com a razão.

O comendador Evaristhe Sensaud De Lavaud, pai de Dimitri, possuía uma oficina mecânica muito bem montada na Cerâmica Osasco, de sua propriedade. No entanto as peças requeriam a utilização de tornos muito delicados que não existiam em sua oficina. Para isso, o inventor recorreu à oficina de reparos de papelão Sturlini – Matarazzo (Adamas do Brasil), localizada na Rua da Carteira, em Osasco, assim denominada porque na época ali se fabricavam carteiras. Atualmente essa rua se chama Narciso Sturlini.

Naquela oficina realizou-se a maior parte do trabalho, mas depois os dois se transferiram para a “Garagens Reunidas”, na Rua Florêncio de Abreu, centro de São Paulo, onde concluíram a construção do aparelho.A montagem final aconteceu em Osasco.

Dimitri e Pellegatti realizaram algumas experiências com o motor, mas foram todas frustradas. Desiludidos, eles abandonaram o projeto por mais de um mês. Algumas peças dos cilindros eram muito delicadas e precisaram ser substituídas para que o motor funcionasse de forma satisfatória. Durante vários dias eles realizaram novos testes e, depois de um trabalho exaustivo tanto na colocação como na regulagem dessas peças, conseguiram alguns resultados positivos.

No dia três de janeiro de 1910, Sensaud de Lavaud, Lourenço Pellegatti e outros auxiliares que, entusiasmados, haviam se associado aos dois naquela tarefa, viram finalmente o motor funcionar ininterruptamente por duas horas.

O Avião

Semelhante a uma libélula, o avião era algo parecido com o “Bleriot”, criado por Santos Dumont. As asas da frente móveis servindo de leme de profundidade mudavam o ângulo de ataque sendo que as asas de trás eram fixas.

Para movimentar o aparelho, o piloto apoiava as mãos sobre as duas alavancas ligadas uma de cada lado do centro de direção, formando eixo como o sarrafo superior do esqueleto, dando às asas movimento independente ou simultâneo.

O piloto acompanhava todos os movimentos do aeroplano. Se este se inclinava para a direita, ele tombava automaticamente para este lado, levantava o braço esquerdo e pressionando a alavanca correspondente, aumentava o ângulo desta asa que passava a ser leme de profundidade, estabilizando o aeroplano. Se pendia para a esquerda o movimento era contrário a este, portanto, o corpo do piloto- era importantíssimo no manejo do aparelho.

Nas curvas para a esquerda abaixava a asa deste lado e levantava a da direita, ao mesmo tempo dando ao leme (cauda do aparelho) um movimento rotativo no sentido da curva a ser realizada. O leme, como os de hoje em dia, era acionado a pedais.

A superfície total do aparelho era de 22 metros quadrados, sendo dezoito m2 das asas dianteiras (móveis) e 4m2 de plano horizontal. (asas dianteiras fixas). A velocidade de sustentação era de quinze metros por segundo, equivalente a 54 km por hora.

(Continua na próxima semana)


* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.


4 comentários:

  1. Você está voando alto, Ris, e com a competência da direção não há o menor risco de cair. Desejo um céu de brigadeiro até que este delicioso relato chegue vitorioso ao final. Parabéns.

    ResponderExcluir
  2. Ficarei aguardando por mais um capítulo
    desse relato tão bem descrito.
    Beijos Ris e Feliz Ano Novo!

    ResponderExcluir
  3. Voo com direito a mergulhos na história desconhecida por muitos de nós. Aguardemos pois esse ele ser alçado.

    ResponderExcluir