sábado, 3 de junho de 2017

Equação


* Por Flora Figueiredo


Vamos dividir essa lágrima:
dou-lhe a metade
mas você a fez maior do que devia.
A outra parte me pertence
pois que é lágrima de minha própria autoria.
Vamos repartir esse sorriso
pois é preciso ser equilibrado:
um pedaço é seu
mas, se formos apurar os fatos,
fui eu sozinha quem o cometeu.
Vamos fracionar a melodia:
pra você ficam os tons do diapasão,
eu fico com os dissonantes.
Feita assim a justa divisão,
volta tudo a ser como era antes.
Só fico lhe devendo o irreversível:
não sei bem como é que foi possível,
nem qual a técnica que nós usamos
mas, engoli sua alma com um beijo
na última vez em que nos amamos. 

In Florescência, 1987 


* Poetisa, cronista, compositora e tradutora, autora de “O trem que traz a noite”, “Chão de vento”, “Calçada de verão”, “Limão Rosa”, “Amor a céu aberto” e “Florescência”; rima, ritmo e bom-humor são características da sua poesia. Deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida. 



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