segunda-feira, 19 de junho de 2017

O nosso dicionário


A vida é o nosso dicionário”, eu disse, um dia desses, a um jovem amigo, sem revelar, contudo, que essas palavras não eram minhas, mas do filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson, no seu livro “Ensaios”, para que ele não pensasse que eu queria me exibir, mostrando certa erudição (que, modéstia a parte, até que tenho). Minha intenção, asseguro, não era essa.

Meu intento não era o de impressionar o jovem admirador e nem deixá-lo constrangido. A citação veio a propósito da necessidade de recorrermos, com assiduidade, ao dicionário, para expandirmos nosso acervo de palavras e, sobretudo, para entendermos cada uma delas, utilizando-as no devido contexto e não sair por aí dizendo coisas que não compreendemos, apenas para exibir conhecimento que de fato não tenhamos.

O filósofo estava mais do que certo em sua afirmação. Aprendemos palavras (sem sequer nos darmos conta) de forma natural, através da vivência, das circunstâncias que surgem à nossa frente, dos relacionamentos de vários tipos (quer afetivos, quer profissionais, sociais etc.).

Essa é a melhor forma (depois da leitura de bons livros, claro) de adquirirmos vasto e rico vocabulário: correto, pertinente e adequado para qualquer situação. Ou seja, vivendo e, por conseqüência, adquirindo esse bem valioso, mas que muitos não sabem como utilizar, que é a experiência.

Emerson, além de dotado de peculiar capacidade de raciocínio (foi um gênio na sua especialidade), era um sujeito muito observador. Seu objeto de estudo foi o homem, com sua grandeza, fraquezas e fragilidades. Aprendeu a maior parte do que sabia não da leitura (embora fosse compulsivo leitor), mas da vivência. A vida foi a sua grande escola (e é a de todos nós, embora muitos teimem em não aprender as lições que ela tem a nos ensinar).

A propósito do tema referente a vocabulário, escreveu, num dos memoráveis textos do livro que citei: “Os anos foram bem gastos quando os demos aos trabalhos do campo, ou ao comércio, às manufaturas, às relações sinceras com grande número de homens e mulheres (...) isto com o único fim de aprender em todas suas realidades uma linguagem capaz de ilustrar e de encarnar as nossas percepções. A pobreza ou a riqueza do discurso de quem fala ensina-me imediatamente em que medida ele já viveu”.

Muitos levam vidas sombrias, tediosas, vazias e amargas, por medo de se expor. Evitam os relacionamentos, temendo se ferir. Omitem-se das grandes causas, deixando, invariavelmente, aos outros as tarefas que lhes compete executar. Mergulham de cabeça numa tediosa rotina, encaram o trabalho como castigo, quando não maldição, e marcam passo em empreguinhos medíocres, muito aquém do seu potencial, que não desenvolvem por carecerem de vontade.

Estes, passam a vida a se lamentar. Imaginam doenças, para chamar a atenção dos outros, mediante o humilhante sentimento da piedade que procuram, mesmo que inconscientemente, despertar. E de tanto imaginarem moléstias, acabam, de fato, adoecendo e se constituindo em pesos mortos para a família e para a sociedade.

Há muitas e muitas e muitas pessoas com essas características. Percebemo-las tão logo abrem a boca, pela pobreza do seu vocabulário. Ou então, pela utilização de palavras fora do devido contexto, o que indica que as leram em algum texto qualquer, mas passaram longe de entender o significado.

Estudos indicam que cerca de 65% das doenças que abarrotam hospitais e consultórios médicos são de fundo psicossomático. Ou seja – fugindo dos eufemismos e trocando em miúdos – são “imaginárias”. Estivessem, essas pessoas, empenhadas em atividades úteis e produtivas, não teriam tempo para essas elucubrações negativas.

Boa parte dos medicamentos que os médicos receitam para esses pacientes são placebos. Ou seja, são constituídos de substâncias neutras, que nem beneficiam e nem prejudicam o organismo. E faz sentido. Afinal, a origem dos seus males não está no corpo, mas em suas cabeças desorientadas. Estas, portanto, é que têm que ser tratadas.

Para sabermos muitas coisas, de fato, mas em profundidade e não apenas de forma superficial, temos que vivê-las. Não importa que o nosso trabalho seja considerado “menor”, desde que seja útil. Quem pode afirmar, por exemplo, que a função do lixeiro não é nobre? Deixe uma cidade sem ele para ver o que acontece!

Portanto, meu jovem amigo, siga os conselhos de Emerson, que sabia o que dizia. “Gaste” bem os seus anos, de forma proveitosa e coerente, para não se arrepender quando eles estiverem próximos de se esgotar. E faça da vida, desta mestra infalível e justa, o seu mais erudito e mais completo dicionário.

Boa leitura!



O Editor.

Um comentário:

  1. Estou fazendo isso há algum tempo, vivendo atentamente, conscientemente e intensamente, mas o meu rol de doenças só aumenta. Minha melhor terapia é delas falar, para em seguida, me sentir melhor. Não acredito que busque piedade ou chamar a atenção. Em mim a somatização existe, mas não é causa, é consequência. Culpar o doente por seus males é culpar quem não tem culpa, e isso aumenta o sofrimento, não ajudando a ninguém.

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