domingo, 11 de junho de 2017

Não está na cara


* Por Rosana Hermann


Assim que entramos em contato com uma pessoa começamos a escaneá-la. Os inputs dos sentidos são imediatamente enviados para nosso cérebro. Começa um processamento de altíssima velocidade em busca de reconhecimento de dados. Conhecemos esta pessoa? Ela se parece com alguém que já temos no nosso banco? Num átimo tiramos algumas conclusões sobre ela. E é aí que está o problema. Nossos softwares estão cheios de bugs, como pré-conceitos, juízos de valores, más impressões e experiências anteriores, que afetam o resultado. As chances de errarmos nas nossas conclusões precipitadas e mal-formadas é grande. E o que normalmente acontece é que nos surpreendemos ou nos decepcionamos facilmente.

A decepção é triste, mas tem um atenuante a nosso favor. Pelo menos fomos positivos e otimistas em relação a alguém. Já a surpresa mostra o quanto somos cruéis com o julgamento pelas aparências. Porque a maioria das competências não está na cara. Nem no corpo. É o famoso ‘eu não dava nada por ele’. Mas quando você descobre, aquele carinha magrinho com cara de bobo que você viu na entrada do hospital era justamente o cirurgião que salvaria a vida da sua mãe.

Nunca se sabe se aquela moça sentada ao seu lado no metrô é a balconista da loja, a gerente, a assistente da veterinária ou a primeira violinista da orquestra municipal. Em geral, a primeira classificação que fazemos é por status social. E julgamos que artistas de televisão, rádio ou qualquer outra pessoa que sai nas revistas de fofocas não estaria jamais num meio público de transporte. O que nem sempre é verdade.

Ultimamente, tem acontecido muito comigo, por conta da minha mais ou menos avançada idade. Sou uma mulher madura, caminhando para o apodrecimento, mais pra Marlene Mattos que pra Xuxa, muito mais pra atriz Maria Alice Vergueiro do Tapa na Pantera do que para Daniela Cicarelli. Por conta da minha aparência externa o julgamento que produzo é muito mais ligado às artes culinárias do que às ciências da computação. E, no entanto, sou uma blogueira ativa, ratazana de Internet, totalmente ligada no mundo cyber. Esta disparidade entre a forma e o conteúdo tem causado reações sistemáticas do mundo em relação a mim. Chego para uma entrevista, uma palestra, uma apresentação qualquer sobre blogs e percebo que há uma decepção inicial. Como? Quem trouxe essa dona-de-casa pra falar de blog? Será que ela veio dizer que o filho adolescente não pode vir? Passado o impacto, sinto que as coisas mudam. E ao terminar o compromisso, sempre tem alguém sorrindo para mim com aquela expressão de ‘muito bem!’, parecida com a que ofereço a meu cachorro quando ele traz a bola de volta.

Não é bom julgar pelas aparências. Não dá certo. É chato para todos os envolvidos. Melhor mesmo é não ter muitas expectativas em relação a nada nem ninguém e apenas aguardar o tempo de exposição a outro ser humano para perceber aos poucos a que o outro veio. Dói menos, incomoda menos e, sobretudo, evita grandes sobressaltos entre a surpresa e a decepção. E, você sabe, para viver bem e bastante, não se pode exigir demais do pobre coração.

*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.



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