A
invenção da vida
“A vida é uma grande invenção!”. Quem
disse isso foi Ferreira Gullar, num documentário sobre Vinicius de Moraes,
exibido pelo Canal Brasil em 16 de outubro de 2008, produção que, desde a
concepção, até a realização final, merece todos os elogios possíveis e
imagináveis. Mas meu objetivo não é comentar o programa, cuja avaliação pode
ser resumida numa única palavra: “excelente!”. Isso basta (pelo menos por
enquanto, pois não resisto à tentação de voltar, oportunamente, ao assunto).
O que ficou martelando,
insistentemente, em meu cérebro, foi essa declaração de um poeta, falando sobre
outro. Refleti muito sobre o assunto e concluí que Gullar foi de extrema
felicidade ao fazer essa enfática afirmação. Aliás, escrevi páginas e mais
páginas sobre o assunto (o leitor é testemunha), embora, óbvio, sem o poder de
síntese que só um poeta desta envergadura tem.
Pois é, a vida é, de fato, uma grande
invenção. Cada qual, com seu esforço, talento, imaginação (e, como diria Ortega
y Gasset, “circunstâncias”) elabora o próprio enredo, com a participação ou não
de coadjuvantes. Uns (temo que a maioria) optam por tornar essas histórias
autênticos filmes “noir”, repletos de melancolias, tédio e horror. E depois
dizem “odiar” a vida. Pudera! Mesmo estes, porém, desconfio, odeiam-na somente
da boca para fora. Caso não fosse assim, não se mostrariam tão apavorados
quando a “niveladora dos homens” surge para os levar à presença do “barqueiro
de Caronte”, para a travessia (sem volta) do Aqueronte.
Há os que vão mais longe, em sua
psicose, e transformam suas vidas num assustador filme de terror. Esses, ai,
ai, ai... Outros tantos, fazem-na um western, daqueles com muitos tiros e uma
infinidade de socos e pontapés, em que o mocinho sempre vence no final e finda
por se casar com a mocinha, com a qual vive feliz para sempre. Só que, tolos
que são, reservam, para si, o papel do bandido. Que estúpidos!
Há, por outro lado, os masoquistas, os
que adoram sofrer, mesmo sem motivos para sofrimentos (que, também, inventam).
Estes têm prazer mórbido em narrar suas desventuras, fracassos e dores (estas,
na maior parte, claro, inventadas). São os que vivem se queixando, da manhã até
a noite, achando que são as pessoas mais infelizes e sofredoras do mundo. E de
tanto quererem isso, de fato se tornam nisso. Tratam-se daqueles chatos que
fazem de uma reles dorzinha de cabeça, doença potencialmente letal.
Basta que, na roda em que entram, para
participar de uma conversa informal qualquer – sobre mulher (tema predileto e
recorrente), por exemplo, ou futebol, ou simplesmente para fofocar – alguém
mencione, mesmo que de passagem, alguma moléstia. Pra quê! Incontinenti,
assumem o centro do palco. Nesses momentos, tomam a palavra, sem a menor
cerimônia e nenhum convite, e desfiam intermináveis rosários de achaques,
apresentados em detalhes e que, se de fato tivessem, estariam a sete palmos
abaixo da terra e não enchendo o saco de quem pretende, apenas, espairecer. São
os tais dos “espalha-rodinhas”. Conheço inúmeras pessoas assim. Estou certo que
o leitor também conhece, não é mesmo?
Por que não inventar enredos em que
sejamos sempre alegres, mesmo sem motivos para alegria, bonitos (mesmo que
sejamos reflexos de Frankenstein) e vencedores? Por que levar as coisas tão a
sério, se o nosso tempo de vida é tão curto e não temos a mínima noção se
haverá um depois? E, se houver, como será? E se não sabemos sequer se no minuto
seguinte estaremos, ou não, vivos? Por que não aproveitar o presente, enquanto
presente, sem deixar de planejar o futuro, contudo sem nenhuma grande ilusão,
pois poderemos sequer ter algum?
Por que esta obsessão de juntar, juntar
e juntar, dinheiro, imóveis, bugigangas, bobagens tidas e havidas como riquezas
se, no íntimo, o indivíduo já sabe que, mal o seu corpo esfrie e comece a se
decompor, antes mesmo de ser sepultado, seus filhos já estarão se pegando a
tapas para dividir tudo o que juntou? E, provavelmente, irão esbanjar e perder
em poucos anos (se não dias) o que gastou uma vida inteira para acumular. Ou,
pior, a pessoa que lhe jurava amor eterno, em questão de semanas, após sua
morte, poderá se juntar com um pilantra qualquer (a probabilidade não pode ser
descartada), que talvez torre todas essas economias, feitas com absurdos
sacrifícios, zombando de quem as juntou.
Por que não amar as mulheres que o
acaso lhe oferece de bandeja? Por que não se divertir com os amigos que as
circunstâncias juntam? Por que não visitar os lugares que tanto deseja? Por que
não sorrir, não agradar os sentidos, não cantar, não dançar, não amar? Sim,
apontem uma razão, uma única, para não fazer tudo isso.
Quem não quer (ou não sabe) usufruir
disso tudo, merece o sofrimento que tem. É uma pessoa tacanha, mesquinha,
estúpida, totalmente despida de imaginação. Não sabe inventar uma vida que
preste! E que se danem os moralistas de plantão e os onipresentes “idiotas da
objetividade” que quiserem brandir seu dedo acusador diante do meu nariz por
causa das minhas observações.
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Muitos dirão que você foi óbvio. Eu direi que foi útil.
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