O cólera e o “Véu pintado”
As atuais epidemias transmitidas pelo insidioso, e “odioso”
mosquitinho Aedes Aegypti – porquanto são pelo menos três doenças diferentes
causadas por esse prolífico e resistente inseto que se manifestam
simultaneamente na atualidade em várias partes do País – ainda não aparecem em
nenhum romance ou conto, ou novela, ou enredo de teatro ou de cinema, ou seja, na Literatura de ficção brasileiros.
Menos ainda no Exterior. Nenhum ficcionista, portanto, recorreu ao tema, nem
mesmo incidentalmente. Pelo menos é o que presumo. Não conheço nenhum livro em
que o zika vírus, ou a dengue com seus subtipos, ou o chicongunia apareçam como
“panos de fundo” de alguma história. Não garanto que não existam. Mas...
Todavia, tenho intuição que, se não houver mesmo nenhum livro explorando, de
alguma forma, o assunto, mais cedo ou
mais tarde haverá. Afinal, epidemias estão longe de serem novidades em
literatura de ficção, dados os naturais dramas que as cercam.
Hoje, por exemplo, trago à baila um romance em que uma
mortal doença (que não é nenhuma das transmitidas pelo Aedes Aegypti, antecipo)
aparece, posto que não como foco central. Nem por isso, é menos importante no
enredo. Aliás, entendo que é essencial na história. Refiro-me ao livro “O véu
pintado”, de William Somerset Maugham, “apropriado” pelo cinema, já que teve
três versões cinematográficas, que no Brasil, pelo menos uma delas, teve o
título de “O despertar de uma paixão”. Prefiro o livro. A versão cinematográfica
sofreu algumas modificações que descaracterizaram o original de Maugham.A
história é complexa e trata de sentimentos e comportamentos os mais variados,
trazendo à baila amor, desamor, traição, vingança, dedicação ao trabalho, ideal
etc.etc.etc.
A personagem central é Kitty Fane. Ela é apresentada como
mulher fútil, proveniente de abastada família inglesa, cujo único objetivo de
vida era o de se casar com um homem de renome, com privilegiada condição
social. Depois de vários namoricos inconseqüentes, nenhum deles sério, a volúvel
moçoila decide aceitar a proposta de casamento de um promissor bacteriologista,
Walter Fane, tímido de doer, por quem, todavia, não sentia absolutamente nada.
Este, contudo, era apaixonadíssimo por Kitty, mas jamais ousou expressar-lhe
seu sentimento. Casados, o biólogo recebe, como missão, seguir para Hong-Kong,
para realizar pesquisas de doenças típicas da região. A esposa, claro,
acompanha-o.
A mulher, fútil e vazia, é incapaz de compreender o amor
calmo e discreto de Walter. Não tardou, pois, para se envolver com Charlie
Townsend, alto representante do governo inglês na China, com quem tem um caso. Mas
Walter descobre a traição da mulher. Como uma espécie de vingança, propõe (na
verdade, intima) que a esposa adúltera fosse, com ele, para Mei-tan-fu,
miserável cidade interiorana de uma China paupérrima, atrasada e humilhada
pelas grandes potências, em que grassava mortal epidemia, responsável pela
morte, inclusive, do médico missionário que lá atuara. Temendo pela vida, Kitty
vê-se obrigada a seguir o marido, acabando por encontrar algo de que não estava
à espera e que mudaria a sua forma de ver a vida: uma paz interior e uma
alteração da sua visão do mundo e da sociedade. A história passa-se na década
de 20 do século passado.
A doença de que Maugham trata é o cólera, causado pelo
vibrião colérico, bactéria em forma de vírgula, que se multiplica rapidamente
no intestino humano produzindo potente toxina, que provoca diarréia intensa. Ao
contrário da dengue e de tantas outras moléstias, não é transmitida por nenhum
inseto ou animal. A enciclopédia eletrônica Wikipédia resume assim como se dá a
contaminação: “O Vibrio cholerae é
transmitido principalmente através da ingestão de água ou de alimentos
contaminados. Na maioria das vezes, a infecção é assintomática (mais de 90% das
pessoas) ou produz diarreia de pequena intensidade. Em algumas pessoas (menos
de 10% dos infectados) pode ocorrer diarreia aquosa profusa de instalação
súbita, potencialmente fatal, com evolução rápida (horas) para desidratação
grave e diminuição acentuada da pressão sanguínea”. E, consequentemente, com a
morte. O cólera afeta somente seres humanos. Dependendo das condições
higiênicas, tende a ser epidêmica.
O livro de William Somerset Maugham teve três versões
cinematográficas. A primeira foi rodada em 1934, estrelada por Greta Garbo. A
segunda, foi filmada em 1957 e recebeu o título, em inglês, de “The seventh sin”,
tendo Eleanor Parker no papel de Kitty. Finalmente a terceira, uma co-produção
sino-norte-americana, data de 2006. Foi
toda filmada em Guilin, na região chinesa de Guangxi. E foi estrelada por
Edward Norton e Naomi Watts. No filme, Kitty acaba por se apaixonar pelo marido
e, na cena de morte do bacteriologista (enfim vencido pelo cólera), ambos pedem
recíprocas desculpas pelos erros que cometeram. No livro, nada disso acontece.
A mulher, embora admirando o idealismo do marido, não consegue amá-lo. Quanto
às desculpas, estas não ocorrem, pois Kitty encontra Walter já inconsciente, em
coma, quase morto e ouve dele apenas uma frase sumamente incoerente: “E foi o
cão que morreu”. Por esta e por outras, nesse e em tantos outros casos, prefiro
sempre a versão original criada pelo autor: a do livro.
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
O Cólera dá substância ao drama. Gabriel Garcia Marques também se dedicou a escrever sobre a mesma doença: O amor nos tempos do cólera.
ResponderExcluirTempos atrás, já comentei este livro neste espaço. Obviamente, o farei outra vez, com novas informações a propósito. Um grande abraço, Mara, e obrigado pela sua tão pertinente observação.
ResponderExcluirTempos atrás, já comentei este livro neste espaço. Obviamente, o farei outra vez, com novas informações a propósito. Um grande abraço, Mara, e obrigado pela sua tão pertinente observação.
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