* Por Solange Sólon Borges
Não sei se movida pela minha paixão, ou mesmo por dados, o fato é que nunca vi a incidência de tantos mitos e mentiras em torno de um mesmo assunto: os livros e a leitura. Primeiro, sejamos estatísticos. Cada brasileiro lê, em média, por ano, 1,8 livro, número pífio diante dos 5 a 7 livros lidos na França e nos Estados Unidos (CBL), ou seja, o filho de um operário lá lê mais do que um adolescente de classe média cá. Mais números: 1/3 dos alunos brasileiros de 1 a 4ª série nunca pegou espontaneamente um livro para ler. E tome números: 19,8 e 18,2%, respectivamente, dos alunos das universidades públicas e privadas que estão concluindo o curso não leram livro algum (dados do INEP/MEC). Os números indicam um colapso.
Tentemos a oferta x a procura de livros e o seu preço... O desempenho do mercado de livros não-didáticos em 2004 teve o mesmo desempenho de 1991. Foram vendidos, em 2004, 289 milhões de livros ou 1 milhão a menos do que o montante negociado no início da década passada. Em 2003, o mercado viveu o pior ano desde 1992. Livro caro? Falta de dinheiro? Não. Esse mau desempenho ocorreu no mesmo período em que o IBGE constatou aumento na renda média do trabalhador brasileiro. Atingiu seu pico em 1996, caiu, e voltou a crescer 16,3% entre 1992 e 2003. O hábito de leitura nada tem a ver com o poder aquisitivo: celular, internet, TV a cabo estão na pauta do dia do orçamento doméstico, demonstrando que o livro não faz parte da cesta básica do brasileiro, mesmo que sua renda aumente, pois o que se gasta com esses ditos “supérfluos” são de 4 a 6 vezes maior do que com bens editoriais. Na frente, estão cigarro, perfume, cabeleireiro e manicura.
Então, por que não se lê? Faltam bibliotecas atualizadas? Livrarias? Faltam, mas quando existem, são pouco usadas. Pesquisas cuidadosas indicam um cenário aterrador: entre as causas apontadas estão o desinteresse, a pura preguiça e a falta de tempo. A razão menos citada é a falta de dinheiro! Podemos desmistificar isso? Quando uma pessoa é incentivada à leitura, os resultados são promissores e ela se torna uma leitora competente. Quando queremos curtir aquela tarde preguiçosa, nada melhor do que um bom livro. Então, essa desculpa não vale. E a falta de tempo? Ah, quanto tempo se gasta, em média, em frente à TV? De três a 7 horas por dia! Dá tempo de ler um, dois ou mais livros da primeira à última página!
Tentemos a escolaridade... Somente 25% dos brasileiros que têm entre 15 e 64 anos dominam a leitura e a escrita, de acordo com resultados do 5º INAF – Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (estudo promovido pelo Instituto Paulo Montenegro e pela ONG Ação Educativa). Mas, quando se fala de pessoas “alfabetizadas”, descobrimos que pelo menos 60% têm o ensino médio, 54% usam computadores, 83% dizem ler jornais e 84%, revistas. É incrível, mas o mesmo método INAF foi aplicado entre 800 detentos de 32 presídios do Estado de São Paulo revelando que as habilidades de leitura e escrita deles são superiores às médias da população brasileira. Eles sabem o quanto é importante a leitura. Outro mito cai: quem tem mais escolaridade não lê mais, necessariamente. As classes B e C ainda concentram 70% dos apreciadores de livro, no Brasil, e não a elite como se pensa.
É certo que a proporção de pessoas com mais de 8 anos de estudos cresceu, entre 1992 a 2003, de 25,4 para 41,2%, caindo automaticamente a taxa de analfabetismo e a porcentagem de crianças fora da escola. Mas, apesar da oscilação numérica, os índices são sempre os mesmos: 26 milhões de brasileiros lêem 4 livros por ano, em média, e o restante descamba para 1,8 livro, ou menos, e ponto final. Ou seja, não cresce no país o universo de leitores e as editoras tentam trabalhar com esse quadro trágico com suas tiragens que não podem ultrapassar os 3 mil exemplares com o risco de quebrá-las. Pouca oferta, preços mais elevados, claro.
Tentemos uma explicação mais ideológica, digamos, o brasileiro não lê simplesmente porque não sabe ler. As pessoas são alfabetizadas, mas não entendem o que lêem. A verdade é essa. Se não há incentivo, o hábito não é desenvolvido, nem a competência. Mas onde começa o problema? Talvez nos pais que não são leitores porque nos bancos escolares também não receberam a orientação devida. Nos cursos de formação de professor não há quase nenhuma carga horária destinada a fazer dele um leitor, ensinando o seu aluno a ser leitor idem. Cria-se um círculo vicioso, nunca rompido e o professor acaba sendo vítima, tanto quanto o aluno.
Desconfio que a educação de nossas crianças está sendo traída da maneira mais vil. Fazer o Brasil um país de leitores, culto e crítico, inteligente, nunca foi prioridade de governo algum. Aplaudo o presidente Lula que, abertamente, confessa que “tem preguiça de ler”. Ele é, ao menos, transparente. Mas sugiro a ele um “mensalão” da leitura para tirar o país do caos literário.
Afinal, o livro é uma das principais formas de transmissão de conhecimento. E quem conhece, critica, exige, argumenta. Parece até um paradoxo: na era da sociedade do conhecimento, deixamos o fundamental de lado: o livro. Tenha só mais um pouco de paciência comigo para checar, em números, a dimensão do conhecimento humano: 32 milhões de títulos, 750 milhões de artigos, 25 milhões de músicas, 500 milhões de imagens, 500 mil filmes, 3 milhões de vídeos e 100 bilhões de páginas da web (fonte: New York Times, reproduzido no jornal O Estado de S. Paulo). Você, leitor, deve estar se perguntando se temos a biblioteca de Alexandria ao nosso alcance. Sim e não. Andamos preferindo a torre de Babel. Faltam leitores competentes, sobram incompetentes de plantão. Até quando?
* Jornalista, dedica-se a diversos gêneros literários. Entre outras atividades, atua em alguns programas “O prefácio”, sobre livros e literatura. Um deles é o programa Comunique-se, levado ao ar pela TV interativa ALL TV (2003/2004). Apresentou, também, “Paisagem Feminina”, pela Rádio Gazeta AM (1999), além de crônicas diárias na Rádio Bandeirantes e na Rádio Gazeta — emissoras das quais foi redatora, repórter, locutora e editora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário