quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Violeta

* Por Marco Albertim

Parra não foi sacralizada pelo diretor Andrés Wood. De sua infância pobre e infeliz à adolescência não menos atormentada, juntou traços de ícone venerado, inda que tirando a própria vida aos cinquenta anos.

Precoce, casou-se aos 21 anos; teve dois filhos, separou-se; voltou a casar. Sua mais densa paixão foi a última, com o músico suíço Gilbert Favre; densa mas carente de nutrientes emocionais; juntou-se ao malogro da relação, o fiasco que foi a sua tenda do folclore, na Comuna de La Reina.

A cena que a captura tirando da gaveta o revólver para pôr fim à vida é um clichê, cerca-se da dramaticidade comum a suicídios dirigidos. Não podia ser de outro modo, diga-se, posto que toda a sua vida fora cercada pela tensão da procura, da insatisfação consigo, mesmo convencida de que jamais daria as costas para a fonte de seu trabalho, o povo e sua cultura.

Violeta se fue al cielo é um título conveniente, apropriado. A montagem dá conta de vaivéns da breve existência de Violeta Parra. A fotografia de Miguel Ioann Littin Menz mostra minúcias, faz do pouso de um gavião numa montanha de San Carlos, onde Violeta nasceu, o descortino de lembranças que acentuam o perfil telúrico da chilena de memória viajora.

Violeta cantora, compositora, pintora, ceramista e poetisa. A atriz chilena Francisca Gavilán destaca a cantora e a amante inquieta. Chama a atenção a semelhança física entre Francisca e Violeta. Em Francisca, o rosto bucólico, índio, foi etiquetado pela maquiagem de tom bucólico, o penteado incivil dos cabelos. Em Violeta, a selvageria do bucolismo no rosto ressalta no nariz aquilino e largo, mais largo que o de Francisca. O rosto de uma e de outra, no entanto, são gêmeos no formato; unem-se sobretudo nos olhos densos, reveladores de minúcias do passado, da procura do porvir nebuloso.

Em entrevista, Francisca Gavilám diz que conviveu com o perfil de Violeta por “dez meses”; conversando, absorvendo as observações de Andrés Wood e de Ángel Parra, filho da cantora e autor do romance homônimo que dá consistência à cinebiografia. Ela mesma, Francisca, interpreta as músicas de Violeta, revolvendo a alma quando canta Volver a los 17.

A narrativa não é linear, os vaivéns entre passado e presente são tão frequentes quanto minuciosos; não comprometem o entendimento, dão conta da trajetória errática de Violeta Parra. É ancorada numa entrevista que ela dá para a televisão chilena, em 1962. Pena não ter mostrado sua faceta de ativista comunista, trinando a guitarra e cantando Gracias a la vida, na frente de uma multidão convocada pelo Partido Comunista do Chile.

Não seria sacralizada, mesmo que a montagem epigrafasse Elegia para cantar, poema de Pablo Neruda em sua homenagem. Em La carta, Violeta escreve:

Os famintos pedem pão
Chumbo lhes dá a polícia

Seu irmão, Nicanor Parra, em Defensa de Violeta Parra, não hesitou:

Quando se trata de bailar la cuenca
De tu guitarra no se libra nadie
Hasta los muertos salem a bailar
Cuenca valseada

A morte de Violeta Parra é dessas que a humanidade perdoa para redimir-lhe do erro. Como a de Maiakovski.

*Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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