quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Karla Celene Campos (à esquerda)

“Foram tantas as emoções!”


* Por Mara Narciso

Quem vive só com o filho, quase não sai, permanece no local de trabalho oito horas por dia e dorme só, ainda assim encontra emoção a cada instante. A semana foi movimentada, pois além do consultório, fiz entrevistas para a revista Plataforma.

Simultaneamente, o jornalista Fredi Mendes, da revista Tempo, passou uma emocionante semana em Natal, e nas suas engraçadas postagens no Facebook, acompanhadas por uma legião de admiradores, eu mencionei a expressão: beliscar o passado, da qual ele gostou e prometeu vir a utilizá-la.

Pois não é que em vez de beliscar, eu dei um abraço inteiro no passado, depois de 41 anos? Revi meu 1º namorado por duas vezes, e agora, numa conversa mais tranquila, lembramos coisas de tão longe, que parecem vindas do além. A mente humana, mesmo com suas falhas, é algo notável, pois recordo com nitidez, fatos, palavras e até roupas de quatro décadas atrás. Muitos reclamam que a vida é curta e passa num instante, mas, me lembrando do remotíssimo ano de 1971, mesmo com nitidez, parece nem ter acontecido, de tão distante que está.

Na véspera, a minha prima Márcia Prates me ligou contando que seu filho Geraldo Quirino Dias Júnior, de 33 anos, estava internado em estado grave, com calazar ou leishmaniose visceral. Glucantime, o remédio iniciado no dia do diagnóstico, ou seja, no 8º dia de internação, estava em falta, sendo preciso interromper o tratamento e só no outro dia foi conseguido noutro hospital de referência. Evoluía mal, com icterícia que tinha se agravado, fígado, pâncreas e baço inchados, insuficiência hepática, anemia, febre de 40 graus, pressão baixa, prostração, até que desenvolveu insuficiência respiratória indo para o CTI, e sendo colocado no respirador. Parou de urinar. Era o 13º dia, e olho de mãe não se engana, pois, enquanto falava com Márcia, pela segunda vez, ela soluçava alto. Prometi falar com o médico e retornar. Quando eu conversava com o plantonista do CTI, que me disse que tinha havido uma intolerância ao medicamento de 1ª linha, sendo preciso mudar para Anfotericina B, aconteceu a parada cardíaca, que não foi revertida. Uma hora depois recebo a notícia da morte do rapaz. Não posso vislumbrar nem de longe a dor dessa mãe, minha prima e comadre, que há 2,5 anos perdeu outro filho de 33 anos num acidente de moto. Como o corpo demorou a ser liberado, tudo bancado pela empresa na qual Júnior trabalhava, fui ao velório cedo, no dia seguinte. O sentimento reinante variava entre a dor sem limites e a revolta. Era quinta-feira, dia 18 de outubro, Dia do Médico. Muito choro e abraços, e não me atrevo nem em buscar as palavras, quanto mais em encontrá-las, para definir o que se via por lá.

Na noite4 de sexta-feira, dia 19 de outubro, último capítulo da novela “Avenida Brasil”, foi o lançamento do livro “Mania de ter fé na vida”, de Karla Celene Campos. Conta as memórias, ao modo de uma colcha de retalhos, de dona Maria do Carmo Silva, de 90 anos. Foi lido o prefácio por Dário Cotrim. Karla Celene contou sobre como foi feito o livro, e Maria Alice, uma dos 12 filhos de dona Maria do Carmo, falou da sua mãe, uma mulher simples, semi-analfabeta, que sai do anonimato para brilhar nas palavras poéticas da escritora da Academia Montesclarense de Letras. Karla Celene, destacando trechos que terminavam em palavras chave, as jogava para a cantora lírica, Simone Santana, que as pegava para entoar canções que as continham. Depois os autógrafos e o coquetel. Na saída, voltando por outro caminho, me perdi dentro do bairro Santo Expedito, às 23 h. Entrei em pânico nas ruelas em curva e sem saída, mas vi um carro da Polícia Militar e o segui. Logo estava numa via de acesso.

Dia 20, sábado, foi o chá de panela da minha ex-colega de Jornalismo Késsia Marinho. Reunimo-nos parentes, amigas e colegas no bairro de Lourdes para uma despedida de solteira, nos moldes das antigas brincadeiras. Éramos cerca de 40 mulheres. Para cada presente não adivinhado, a noiva pagava uma prenda, com pinturas de batom e outras tintas sobre o rosto e braços.

À meia-noite de sábado para domingo começou o horário de verão, e no próximo domingo será o segundo turno das eleições. Montes Claros vai escolher quem governará a cidade nos próximos quatro anos. Por mais dura que a vida e a morte possam ser, por mais cegos de dor que estivermos, o planeta Terra segue seu caminho pelo céu, acompanhando a sua estrela. O desespero de uma mãe despedaçada pela segunda vez é acolhido pela solidariedade de amigos e parentes, mas o mundo não para a sua rotina. Logo os dramas alheios serão esquecidos. Cada um de nós segue a sua medíocre vida, enquanto o sol nos leva ao infinito.


*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

2 comentários:

  1. Emoções muitas, em forma de colcha de retalhos, quase que um diário. Reunidos os acontecimentos num único relato é que descobrimos que nosso dia-a-dia é mesmo uma sucessão de sobressaltos...
    Bacana, Mara. Um grande abraço e boas emoções pra você.

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    1. Obrigada, Marcelo, pela constância e simpatia. A minha semana foi como o filme "Quatro casamentos e um funeral". Coisas boas e ruins. Demorou a ser dado o diagnóstico e o filho da minha prima morreu. Uma lástima. Movimento teve até demais. Sou quieta e caseira. Gosto de ficar no meu canto, mas adoro conversar, ouvir, só que não é com todo mundo. Assim vamos vivendo.

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