domingo, 28 de outubro de 2012

Comparando o incomparável

A pergunta que me é feita com maior frequência, por leitores ainda relativamente jovens – prestes a entrar na casa dos trinta anos que, ou não tinham ainda nascido, quando da realização do primeiro Rock in Rio, em janeiro de 1985, ou ainda eram muito crianças na ocasião – se refere à comparação da “qualidade” dos artistas presentes em Woodstock e no espetáculo do Rio de Janeiro. Perguntam-me qual dos dois eventos contou, no conjunto, com astros e estrelas “melhores” e não mais importantes. Bem, julgamentos desse tipo são sumamente subjetivos. Não há parâmetro infalível e, portanto, confiável, para esse tipo de aferição. E, por essa razão, raramente (diria, praticamente, nunca) vereditos do tipo são consensuais. Depende do gosto de quem compara.

Pessoalmente, considero que o Rock in Rio teve maior qualidade artística, facilitada pelo aparato tecnológico que foi utilizado. Houve maior variedade de tendências. É preciso levar em consideração que o festival realizado no Brasil teve extensão mais de três vezes maior do que Woodstock. Foram dez dias de apresentações, contra apenas três do histórico evento ocorrido nos Estados Unidos. Ademais, a sequência das respectivas carreiras dos roqueiros que se apresentaram num e noutro lugar, faz a balança pender ao festival promovido pelo empresário brasileiro Roberto Medina. Fizeram mais sucesso. Muitos fazem até hoje.

Apresentaram-se, por exemplo, no Rock in Rio: o grupo australiano AC/DC; o trio carioca Os Paralamas do Sucesso, a banda Iron Made, o Barão Vermelho (ainda contando com o genial Cazuza), James Taylor, Ivan Lins, Ozzy Osbourne, Pepeu Gomes, Queen (estrela máxima do evento), Rod Stewart, Scorpions, Yes e Whitesnake.

Bem, dirão os que eventualmente me contestem, a quantidade de grupos, astros e estrelas presentes em Woodstock foi muito, muitíssimo maior: 32. Quantidade, no entanto, está muito distante de significar qualidade. Claro, o ideal é que ambas andem juntas, de mãos dadas. Todavia, são raridade. A maior parte dos que se apresentaram em Woodstock era de artistas desconhecidos, ou pouco conhecidos, cuja limitada fama jamais extrapolou o âmbito dos Estados Unidos. Vários sequer eram roqueiros (caso do indiano Ravi Shankar). Outros tantos eram grupos e cantores “country”, o equivalente (guardadas as devidas proporções) aos nossos sertanejos.

Sei que minha afirmação será encarada como até herética, pelos fanáticos pelo rock (e cujo fanatismo lhes impede de fazerem análises frias e desapaixonadas) e pelos historiadores desse ritmo de mais de 60 anos de existência. Não estou afirmando que em Woodstock não houve a presença de nenhum “ícone” popular, de então e de sempre. Eu não seria burro de não valorizar presenças como as de Joan Baez, de Santana, do grupo The Who, de Joe Cocker, de Creedence Clearwater Revival e, especialmente, de Janis Joplin e Jimmi Hendrix. Estará, todavia, incorrendo no mesmo erro quem desprezar as apresentações, no Rio, do AC/DC (que levou a platéia ao delírio), de James Taylor, do Iron Made, de Rod Stewart, do Yes, de Ozzy Osbourne e, notadamente, do Queens. O melhor, portanto, é não comparar. Isso sem falar nos brasileiros que também se apresentaram e que têm lá o seu inegável valor. Ou não têm?

Notem que não estou comparando o valor histórico. Nesse aspecto, sem dúvida, Woodstock leva ampla vantagem, embora não se possa descartar o ineditismo do Rock in Rio, porquanto, até então, haviam sido raríssimos os astros do rock que já haviam se apresentado na América do Sul. Depois disso, suas turnês tornaram-se freqüentes e hoje já são quase rotina. Em termos comerciais, como já ressaltei, o festival brasileiro foi enorme sucesso, ao contrário do norte-americano. Em organização, conforto, segurança, aparato tecnológico e facilidades de acesso, nem se fale.

Claro que não desvalorizo a apresentação de Jimmi Hendrix, por exemplo (que aliás encerrou Woodstock), quer pelo seu inegável (e até absurdo, de tão grande) talento, quer pelas circunstâncias que a cercaram. Antes dela ocorrer, o roqueiro havia tido alguns de seus shows censurados nos Estados Unidos, a pretexto de que eram “obscenos”. Na conservadora (não seria vetusta?) Inglaterra, a despeito de ser a pátria dos Beatles, mas que voltava a cair num excessivo conservadorismo, suas apresentações foram classificadas de “excessivamente sensuais”. Isso porque Hendrix fazia movimentos característicos de quadris, enquanto cantava e agitava a guitarra, que para os censores sugeriam gestos de uma cópula. Como será que considerariam, então, os meneios e requebros de Michael Jackson, se este se apresentasse ali na ocasião? Considerariam, provavelmente, “pornográficos”.

Outra coisa, em Jimmi Hendrix, que incomodava os conservadores, era o seu penteado. Como hoje o do craque santista Neymar, o do roqueiro era imitado mundo afora por milhões de jovens, para desespero de pais e educadores. Pura tolice, claro. Mas na época, tudo, em Jimmi Hendrix, incomodava os mais velhos. O roqueiro batizou seu incomum penteado de “choque elétrico”. A propósito da música que fazia, costumava dizer, em tom de desafio, que estava à frente daquele tempo (fins da década de 60) e que pertencia ao “século XXI”. E estava certo. Afinal, passado tanto tempo, ainda é considerada de qualidade inigualável no seu gênero.

Quanto à outra grande estrela de Woodstock, Janis Joplin, tratava-se de uma texana, com voz sensual e incrível senso rítmico. Quando morreu, o jornal “The Washington Post” escreveu a seu respeito (na edição de 6 de dezembro de 1970): “Miss Joplin abandonou a sua cidade natal de Port Arthur, Texas, para viajar rumo a San Francisco. Há quatro anos começou a cantar com a Big Brother and The Holding Company, grupo de rock frequentemente anunciado como os ‘hells angel’s house band’. Mas não seria antes do grupo aparecer no Monterey Pop Festival em junho de 1967 que ele atrairia atenção internacional. No palco, com seus cabelos caindo-lhe sobre o rosto, bebericava refrigerante de um copo de papel, sacolejava seu corpo com intensidade selvagem e cantava um estilo de blues frequentemente comparado ao de Bessie Smith. ‘Os negros cantam sua tristeza porque não podem ter isso e aquilo’, disse ela uma vez. ‘Eu fui criada numa família de classe média, e poderia ter o que quisesse. Mas a gente precisa de algo mais na barriga, meu caro’”.

Pode parecer heresia para os saudosistas, reitero, mas, rigorosamente, levando-se em conta a distâsncia no tempo e as circunstâncias, bem diversas, Nina Hagen, George Benson, James Taylor, Rod Stewart e outros são tão bons, ou até melhores, do que Bob Dylan, Janis Joplin ou Jimmi Hendrix. Enquanto os últimos declaravam guerra ao “establishment”, os primeiros foram absorvidos e enquadrados por ele. E suas apresentações têm o caráter que o sistema espera: o de mero show, como qualquer outro de música popular, sem conotação de protesto e muito menos de rebeldia.

Boa leitura.

O Editor.


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