segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Onze de setembro

* Por Daniel Santos

Apesar da claridade da manhã, todos viram que uma luz ainda mais cegante se aproximava da cidade, veloz como um bólide, um corisco ou medonho desígnio, para abalar o azul daquela atmosfera imperturbável.

Um segundo só. Ou dois, no máximo. E não houve tempo para entender nem para gritar. Só depois do estrondo e da emissão de um fogo que a tudo cauterizava, ocorreu a dispersão. Mas para onde fugir, afinal?

Lagartos, pequenos sauros e mais os répteis ainda em evolução foram os primeiros a morrer. Tentaram imiscuir-se no lodo em que toda aquela zona chafurdava, mas o clarão vazou seus corpos e fulminou-os.

De imediato e por muitos minutos mais, todos atordoaram-se, porque, desmedido, tonitruante, o estrondo progrediu pela cidade, espalhou-se pelo seu perímetro e voltou em ecos para aturdir e submeter.

As fundações abalaram-se de tal forma, com tamanha intensidade, que uma febre abissal emergiu de profundas furnas e logo entornou-se pelas superfícies em ondas de calor com poder de contágio e prostração.

Impossível reagir ao que se impunha com o imperativo de um veredicto. Aliás, nem se pensava nisso: há tempos, aceitava-se a idéia do extermínio. Estava para acontecer. Apenas perguntava-se: quando?

De fato, nem tanto a flora, mas a fauna inquietava-se devido à própria monumentalidade. Uma fadiga crônica, uma obesidade mórbida, terminal, sugeria década após década que tudo iria ruir. E ruiu mesmo.

E quando ruiu, apesar do espanto, todos aceitaram sua sina: se a vida era desconfortável para eles, quem sabe a inexistência lhes cairia bem? Estavam atravancando a História e deviam, por isso, se retirar.

Intuíam que a lei da evolução das espécies se dá aos saltos, e não de forma linear. Mais: dali em diante, tudo tenderia a diminuir até as medidas definirem uma escala ideal para se corresponderem em harmonia.

Por isso, sem argumentos em defesa da própria sobrevivência, deixaram-se abater. Um a um, mamutes, pterodáctilos, titanossauros e tantos outros desapareceram sob os escombros em estado de pasmo.

 
* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.

Um comentário:

  1. Daniel Santos está de volta, e com ele a estrondosa trombada de um meteoro, que há 65 milhões de anos, acabou com os dinossauros. O dia bem poderia ser 11 de setembro.

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