segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Gostar de (e saber) escrever

O ato de escrever tem conotações diversas para as pessoas, dependendo de sua formação, cultura, visão de mundo e outros tantos fatores. Umas gostam e são obcecadas pelo texto, mesmo que, não raro, tenham sérias e múltiplas dificuldades de redação (geralmente por não dominarem adequadamente as regras que regem o idioma, mas não somente por isso). Outras contam com esse domínio, têm a gramática na ponta da língua, seu vocabulário é de fazer inveja ao mais prolífico dicionarista, mas... Detestam registrar idéias, observações e experiências por escrito. E as razões variam.

Isso ocorre ou por falta de traquejo, por não se exercitarem, como poderiam, na escrita; ou porque não suportam ficar horas e horas à frente de um teclado de computador (ou de folhas de papel em branco) alinhavando palavras e preferem atividades mais dinâmicas, físicas, ao ar livre; ou então se dedicar a diálogos cara a cara; ou por medo de censura e até do ridículo por não confiarem em sua cultura e em seu acervo de conhecimentos e vai por aí afora. Os motivos, com as respectivas variantes, são inúmeros.

É até redundante destacar a importância para o homem, para toda a comunidade humana e, por extensão, para a civilização, da palavra escrita. Sem ela, todo o conhecimento acumulado por gerações se perderia irremediavelmente após a morte dos que o acumularam somente na memória. Muita coisa, aliás, se perdeu. O poeta russo Joseph Brodsky – cujo nome de batismo é Iosif Alexandrovitch Brodsky – ganhador do Prêmio Nobel de Literatura de 1987, considera que “escrever é um acelerador de consciência, de pensamento e de compreensão do Universo”. De fato, é. Teoricamente, todo indivíduo convenientemente alfabetizado, está apto a fazê-lo. Mas, na prática, está mesmo? Claro que não! Pelo menos não a ponto de produzir obras literárias inteligentes, e consistentes, que lhe sobrevivam mesmo que por tempo escasso.

Juntar letras para formar palavras e, com estas, compor sentenças, orações, períodos, parágrafos, capítulos e livros com conceitos úteis, inteligentes e atrativos é uma arte. E que arte! Além do que, é atividade “traiçoeira”. Quantas vezes achamos que determinado texto que escrevemos é lapidar, perfeito, à prova do mínimo reparo (na forma e no conteúdo) no entanto, os que o lêem consideram-no uma sucessão de lugares comuns, de obviedades e de redundâncias, mesmo sem sê-lo! Dependemos do julgamento alheio e, pior, estamos nas mãos de julgadores que não conhecemos e que, provavelmente, jamais viremos a conhecer. É uma roleta-russa! Nestes casos, o que pensávamos que nos conferiria glória e imortalidade, muitas vezes nos roja ladeira abaixo rumo ao ridículo. A Literatura, portanto, exige de nós cautela e eterna vigilância, para não sermos cegados por esta traiçoeira inimiga dos vencedores: a exacerbada vaidade.

Nessa atividade, concordem ou não, somos sempre alunos, perpétuos aprendizes. A insegurança nos acompanhará por todos os anos de nossa vida, mas, se ela não for levada a extremos, será não nossa algoz, mas nossa aliada. Ou seja, será fator positivo. Leon Tolstói (provavelmente irritado com a bajulação de algum puxa saco de plantão, sabe-se lá), escreveu, certa feita: “Eu não sou um mestre. Sou simplesmente irmão de todos os homens no seu sofrimento e na sua procura da verdade”. E ele bem que poderia ostentar ares de “sabe tudo” das letras. Sua obra o credenciou a isso. Nossa postura deveria ser a dele. Ou seja, a de nos sentirmos irmãos de todos os homens no seu sofrimento e na sua procura da verdade, não somente para confortá-los, mas para orientá-los e esclarecê-los na medida da nossa capacidade.

A responsabilidade de um escritor é imensa. Seus textos tanto podem esclarecer um milhão de dúvidas de muitos, ensinar uma quantidade inconcebível de pessoas, alegrar suas vidas, trazer-lhes informações essenciais e embeber suas almas de beleza e transcendência, quanto induzir multidões ao erro, sugerir vícios, induzir irracionais à violência e, em casos extremos, ser a causa indireta até de suicídios. Claro que nenhum escritor maluco faz isso deliberadamente. E, se fizesse, o editor que publicasse seus livros seria mais do que cúmplice: seria o agente direto dessas barbaridades. Todavia, há muita obra aparentemente inofensiva que, dependendo das mãos em que caem (e é impossível de saber em quais cairá), pode produzir (e de fato produz) os estragos que citei. Responsabilidade é o que mais se exige dos que gostam, sabem e se empenham em escrever.

Por isso, não me causa nenhum espanto esta declaração da excelente Clarice Lispector: “Tenho medo de escrever. É tão perigoso. Quem tentou, sabe. Perigo de mexer no que está oculto – e o mundo não está à tona, está oculto em suas raízes submersas em profundidades do mar”. Ao contrário do que se possa supor, não se trata de mera retórica da autora, de algo para causar escândalo e fazer gênero. Também tenho medo, muito medo de escrever, embora o faça tanto e, por isso, com insegurança constante e multiplicada.

O que se diz, embora dependendo do teor do que é dito pode arruinar reputações e até causar sangrentas guerras, nem sempre provoca – não necessariamente – esses efeitos ruins, mesmo que seu teor seja deliberadamente destrutivo. Pode-se alegar, por exemplo, que não se disse o que muitos ouviram. Ou, o que é mais freqüente, que o interlocutor ouviu mal etc. A menos que o que foi falado seja gravado, o irresponsável boquirroto pode escapar incólume da punição a que faz jus. Mas o que é escrito... Vai tudo depender em que mãos o tal texto irá cair. E seu destino é imprevisível, fortuito, aleatório. Nunca se sabe quem e quantos irão ler o despautério registrado em letras de forma. É inteligente arriscar? Ora, ora, ora.

Jonathan Swift observou com sapiência como nossa obra literária pode vir a ser interpretada. Escreveu: “Como é inteligente esse escritor quando diz aquilo que pensei durante toda a vida!” Essa é a provável reação de quem gosta das nossas idéias, posto apenas por serem também exatamente as suas. E quando elas não são? Como o leitor, via de regra, reage? E se a maioria for contrária a tudo o que pensamos e escrevemos? O que acontece? De duas, uma: ou caímos no absoluto esquecimento, ou, pior, despencamos no abismo do irremediável ridículo, por mais verdadeiro, útil e construtivo que seja um texto nosso: uma crônica, um conto, um ensaio, um livro etc.

Não me causa, pois, nenhum espanto este desabafo de outro monumento das letras nacionais, que é Lygia Fagundes Telles: “Digo sempre que há três espécies em extinção: o índio, a árvore e o escritor, esse marginalizado. É duro ser escritor num país com um índice tão alto de analfabetismo!”. As causas desse “perigo”, (e espero que não iminente), todavia, convém tratar, com maiores detalhes e vagar, em ocasião mais propícia.

Boa leitura.

O Editor.

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Um comentário:

  1. Escrever é um dom para poucos Pedro, iluminados
    sejam todos os que escrevem empenhados em transmitir através das palavras emoções, sonhos
    encantamentos.
    Um dia eu chego lá.
    Que Deus abençoe sua paixão pela escrita.
    Abração.

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