sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012







Sandices médicas

* Por Jair Lopes

Para falarmos leigamente sobre medicina convém lembrar que Hipócrates, asclepíade (equivalente a curandeiro ou médico de nossa época) grego que por suas obras escritas (cerca de setenta) e por seu trabalho, é considerado o Pai da Medicina. Aliás, caso único, a mãe da medicina é desconhecida. Bem, para citar esse asclepíade famoso, não podemos deixar de lembrar o seu inescapável juramento que faz parte das formaturas de todos os médicos do Planeta na atualidade:
“Eu juro, por Apolo, médico, por Asclépio, Higia e Panacea e por todos os deuses e deusas, a quem conclamo como minhas testemunhas, juro cumprir, segundo meu poder e minha razão, a promessa que se segue: estimar, tanto quanto aos meus pais, aquele que me ensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meus bens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito; fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, os de meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão, porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei por comprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculada minha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto.Se eu cumprir este juramento com fidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honrado para sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrário aconteça”.

Sinceramente? Como leigo, vivendo antenado em pleno século vinte e um, relativamente ilustrado no conhecimento das coisas e medianamente informado, gostaria de propor uma redução e algumas modificações nesse juramento que alguns até chamam jocosamente de “Hipócrita”. Minha sugestão visa torná-lo mais compreensível, realista e mais curto. Primeiro vamos esquecer Apolo, Higia, Asclépio e Panacea, afinal nem os médicos sabem quem são esses personagens de literatura grega! Só se algum médico antes de estudar medicina estudou a fundo a mitologia grega, mas daí ele é a exceção que confirma regra.
Outra coisa, vamos jogar no lixo as partes que ninguém cumpre mesmo por serem apenas “enchimento de lingüiça” como: “ensinar-lhes esta arte, se eles tiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração”. Peraí mermão, sem remuneração? O que é isso? Ninguém, principalmente os médicos, faz qualquer coisa de graça, então fora com essa mentira!
Também: “Eu juro... estimar, tanto quanto aos meus pais, aquele que me ensinou esta arte”. Desde quando todos os filhos estimam seus pais? Como esse amor compulsório não acontece sempre, este trecho está prejudicado, não pode permanecer no texto. Fora com ele!
Outro trecho: “Do mesmo modo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva”. Fora com isso! Vivemos num tempo que o aborto é permitido ou tolerado na maioria dos países, então para que continuar com essa restrição? O mundo mudou desde a Grécia antiga, sim para o aborto, mesmo porque a maioria dos médicos o aprova.
Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculoso confirmado"; Esta é fácil, aqui está explicitando que médicos não podem praticar cirurgia. Como? Vamos eliminar os cirurgiões? Não! Vamos eliminar esse trecho, isto sim!
Aqui está outra parte que, por impraticável, deve ser eliminada: “Em toda a casa, aí entrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e de toda a sedução sobretudo longe dos prazeres do amor, com as mulheres ou com os homens livres ou escravizados”. Se médicos não puderem transar com suas mulheres, não se reproduzirão e daí a classe tende a desaparecer. Se médicos gays estiverem proibidos de transar com outros do mesmo sexo poderão perder o gosto pela profissão e daí também teremos uma redução nos quadros da medicina. Fora essa parte!
Então é isso, um juramento antigo, inaplicável porque contém várias aberrações, confuso, antiquado e tão longo que ninguém consegue lembrá-lo, e totalmente ultrapassado por causa dos avanços, nem digo da medicina, avanços da sociedade na qual vivemos mesmo, deve ser compulsoriamente substituído por algo mais “leve”, funcional e palatável.
Assim, depois de muito matutar e observar, consegui conceber um juramento que deverá satisfazer médicos e pacientes sem ferir a ética e sem cometer bizarrices como aquelas observadas no hipocrático juramento já criticado. O juramento clean que sugiro é este:
“Juro que no exercício da minha profissão farei esforço, dentro daquilo que aprendi, para curar pessoas doentes. Meus honorários serão honestos e se o paciente for de todo destituído, procurarei atendê-lo assim mesmo. Na minha vida particular me conduzirei com higidez para servir de exemplo, e não praticarei arrogância em nenhum momento. A humildade será o mote de minha conduta”
Vejamos, este é um juramento ajustado, simples e fácil de ser lembrado e cumprido, por que não adotá-lo? Será a pompa e o pedantismo daquela descumprida e hipocrática afirmação de deveres e intenções são tão atrativos que eles vão continuar a desfiá-lo nas formaturas e esquecê-lo cinco minutos depois, e para toda vida?
Queridos médicos meus amigos e conhecidos, adotem ainda que apenas Ab imo pectore meu juramento porque sei que da boca para fora os senhores ainda se verão obrigados a hipocraticar aquela lenga-lenga démodé e mentirosa. Adotem do fundo do coração esse juramento e serão mais felizes, seremos mais felizes, a humanidade será mais feliz. A bola está com os senhores! Abraços,

• Escritor

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