O preço do sim
* Por Mara Narciso
Alguém está diante de uma bifurcação. Que caminho tomar? Esses momentos são os mais angustiantes. Depois da decisão, por pior que tenha sido a direção escolhida, a agonia se desfaz, e a calma reina. Por que é tão difícil decidir? O nosso temor é fruto de nós mesmos, ou da possibilidade dos julgamentos alheios? A situação transmuta-se em drama quando adiamos o momento crucial para um pouco mais adiante. Adiar uma certeza ou um mau momento é um remédio amargo de tomar.
Sem falar na profissão dos juizes, cuja função é justamente decidir, quando temos nas mãos a prerrogativa de optarmos por responder sim ou não, quase nunca é difícil responder. Mas há os que não conseguem responder com uma negativa, mesmo correndo riscos. Não é preciso agradar sempre. Se alguém tem de ficar em desconforto, melhor que seja o outro e não você. Então não fale sim quando quiser dizer não.
Pessoas gentis, com ar de humildade, viram leões quando recebem um não. Muita gente não consegue viver em contrariedade. Antes anões, crescem atrás de forçar o sim. Muitos conseguem reverter o que lhes é desfavorável, mas a maior parte não faz a virada.
E quando a situação se inverte e somos nós que estamos em busca do sim? Chegamos miúdos, quase invisíveis, do tamanho daquele homem do comercial de um banco particular de décadas atrás, que ia pedir um empréstimo. A cadeira era enorme e ele ficava perdido por detrás dos óculos - clichê de tímido-, e obscurecido pelos altos braços do sofá. As mãos frias e trêmulas, a boca seca, o coração acelerado pela descarga de adrenalina insistem em avisar que somos ínfimos. O que temos? Na nossa mente, parece que já ouvimos o não. Caso não perguntarmos, o não é total. Mas ao pedirmos já temos 50% de possibilidade do sim.
Quando o detentor do nosso destino - algumas vezes somos loucos o suficiente para deixar isso acontecer, e noutras estamos debaixo do jugo de alguém a quem devemos obediência-, nos diz que vai pensar, amplia a nossa expectativa e nos maltrata. Posso parecer dramática, mas prefiro receber logo uma paulada na cabeça do que um falso afago. Como dizia o meu avô Petronilho Narciso: “Está grave, vamos levar ao hospital; está morto vamos enterrar”. Essa maneira de ver as coisas sempre me foi muito útil.
O maior de todos os sins é aquele que se diz diante do padre ou juiz. É quando estamos apaixonados a ponto de chamar toda a família e a sociedade, vestirmos aquelas vestimentas ridículas, gastarmos um tanto de dinheiro, e diante de todos, dizermos tudo o que sentimos e queremos numa única sílaba de três letras: sim.
Avançar por caminhos ou neles não poder mais passar pode depender do sim ou do não do outro. Algumas vezes não vivemos emoções por engolirmos um não que bem poderia ter sido um sim. A resposta do outro depende da nossa coragem de buscar pela afirmativa que achamos que é o que nos convém naquele momento.
Haverá uma maneira de seduzir e conquistar todos os sins que achamos necessários? É possível desenvolver mais habilidade para conseguirmos isso? Faz mais mal o sim mal dado ou uma negativa mal empregada? O remorso poderá visitar o travesseiro de alguns, assim como o arrependimento. Nem precisa dizer que é melhor pensar bem e usar nossos critérios de julgamento com cuidado, para baratear os preços das nossas decisões. Também temos a alternativa de questionarmos, ou até mesmo desobedecermos às decisões alheias. Então é preparar-se para as conseqüências que virão.
Quais vidas teríamos vivido caso tivéssemos dito não nas ocasiões em que respondemos com afirmativas? E que caminhos teríamos trilhado caso os nossos sins tivessem sido nãos? Outras vidas teríamos vivido, outros mundos conheceríamos, outras pessoas seríamos, e que filhos seriam nossos, ou quem sabe não teríamos nenhum? A casa seria outra, e noutra rua moraríamos. Muito se pode filosofar em cima de duas sílabas e suas seis letras: o não e o sim. O melhor é exercitar as nossas escolhas num país livre, assunto para uma outra conversa.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-
* Por Mara Narciso
Alguém está diante de uma bifurcação. Que caminho tomar? Esses momentos são os mais angustiantes. Depois da decisão, por pior que tenha sido a direção escolhida, a agonia se desfaz, e a calma reina. Por que é tão difícil decidir? O nosso temor é fruto de nós mesmos, ou da possibilidade dos julgamentos alheios? A situação transmuta-se em drama quando adiamos o momento crucial para um pouco mais adiante. Adiar uma certeza ou um mau momento é um remédio amargo de tomar.
Sem falar na profissão dos juizes, cuja função é justamente decidir, quando temos nas mãos a prerrogativa de optarmos por responder sim ou não, quase nunca é difícil responder. Mas há os que não conseguem responder com uma negativa, mesmo correndo riscos. Não é preciso agradar sempre. Se alguém tem de ficar em desconforto, melhor que seja o outro e não você. Então não fale sim quando quiser dizer não.
Pessoas gentis, com ar de humildade, viram leões quando recebem um não. Muita gente não consegue viver em contrariedade. Antes anões, crescem atrás de forçar o sim. Muitos conseguem reverter o que lhes é desfavorável, mas a maior parte não faz a virada.
E quando a situação se inverte e somos nós que estamos em busca do sim? Chegamos miúdos, quase invisíveis, do tamanho daquele homem do comercial de um banco particular de décadas atrás, que ia pedir um empréstimo. A cadeira era enorme e ele ficava perdido por detrás dos óculos - clichê de tímido-, e obscurecido pelos altos braços do sofá. As mãos frias e trêmulas, a boca seca, o coração acelerado pela descarga de adrenalina insistem em avisar que somos ínfimos. O que temos? Na nossa mente, parece que já ouvimos o não. Caso não perguntarmos, o não é total. Mas ao pedirmos já temos 50% de possibilidade do sim.
Quando o detentor do nosso destino - algumas vezes somos loucos o suficiente para deixar isso acontecer, e noutras estamos debaixo do jugo de alguém a quem devemos obediência-, nos diz que vai pensar, amplia a nossa expectativa e nos maltrata. Posso parecer dramática, mas prefiro receber logo uma paulada na cabeça do que um falso afago. Como dizia o meu avô Petronilho Narciso: “Está grave, vamos levar ao hospital; está morto vamos enterrar”. Essa maneira de ver as coisas sempre me foi muito útil.
O maior de todos os sins é aquele que se diz diante do padre ou juiz. É quando estamos apaixonados a ponto de chamar toda a família e a sociedade, vestirmos aquelas vestimentas ridículas, gastarmos um tanto de dinheiro, e diante de todos, dizermos tudo o que sentimos e queremos numa única sílaba de três letras: sim.
Avançar por caminhos ou neles não poder mais passar pode depender do sim ou do não do outro. Algumas vezes não vivemos emoções por engolirmos um não que bem poderia ter sido um sim. A resposta do outro depende da nossa coragem de buscar pela afirmativa que achamos que é o que nos convém naquele momento.
Haverá uma maneira de seduzir e conquistar todos os sins que achamos necessários? É possível desenvolver mais habilidade para conseguirmos isso? Faz mais mal o sim mal dado ou uma negativa mal empregada? O remorso poderá visitar o travesseiro de alguns, assim como o arrependimento. Nem precisa dizer que é melhor pensar bem e usar nossos critérios de julgamento com cuidado, para baratear os preços das nossas decisões. Também temos a alternativa de questionarmos, ou até mesmo desobedecermos às decisões alheias. Então é preparar-se para as conseqüências que virão.
Quais vidas teríamos vivido caso tivéssemos dito não nas ocasiões em que respondemos com afirmativas? E que caminhos teríamos trilhado caso os nossos sins tivessem sido nãos? Outras vidas teríamos vivido, outros mundos conheceríamos, outras pessoas seríamos, e que filhos seriam nossos, ou quem sabe não teríamos nenhum? A casa seria outra, e noutra rua moraríamos. Muito se pode filosofar em cima de duas sílabas e suas seis letras: o não e o sim. O melhor é exercitar as nossas escolhas num país livre, assunto para uma outra conversa.
*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-
Mara,
ResponderExcluirprático o seu Avô Petronilho Narciso: “Está grave, vamos levar ao hospital; está morto vamos enterrar”.
A vida é assim, não? Pelo menos deveria.
Confesso que sempre fui uma pessoa muito indecisa. Na minha vida faltou determinação.
Há quem deixe a vida levar, como o Zeca Pagodinho. Até me identifico com ele. Evitando, acabo correndo mais riscos.
Viver é escolher entre um caminho e outro. Vale mesmo escolher um e seguir adiante. E não chorar pelo leite derramado.
A parte mais difícil , acredito, não é nem os SinS nem os Nãos alheios. Mas os nossos SINS e NÃOS interiores.
O resto é apenas um detalhe.
Gostei muito !
Beijos
Muito boa reflexão, Mara. Exercitar o não e o sim adequadamente faz parte do aprendizado. Discernimento é fundamental para aplicá-los no momento certo. Abraço.
ResponderExcluirVerdade, meninas. Quantas vezes levamos alguém às lágrimas com um sim? No diagnóstico de doenças graves, por exemplo. E assim vamos vivendo. Até o destino dizer que não. Agradeço os comentários.
ResponderExcluirÉ o tal do efeito borboleta: um sim no lugar de um não pode ter efeito devastador, dependendo das circunstâncias. Ótimo texto, doutora Mara.
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