sábado, 11 de fevereiro de 2012







Arequipa


* Por Urda Alice Klueger

(Excertos do livro "Viagem ao Umbigo do Mundo, publicado em 2006.)


Já de tarde, era evidente que o deserto diminuíra, tal o grau de fertilidade que já havia por toda a parte. Conforme fomos chegando à grande e linda cidade de Arequipa, as casas já tinham hortas cheias de legumes e por todos os lados existiam as atividades que existem ao redor das cidades que não são oásis.
Arequipa é um caso todo especial dentro da realidade peruana. Conta a lenda que o Inca Mayna Capac, depois de diversas conquistas, ao retornar a Cusco, passando por aquele lugar tão bonito, dissera à sua gente: “Se lhes agrada, fiquem aqui!” – tal pequena frase, em quíchua, é traduzida como “Arequipa” - se bem que haja outras explicações.
A cidade de Arequipa está a 2.329 metros de altitude, próxima ao ENORME vulcão Misti, mas há mais dois ENORMES vulcões encostadinhos nela, o Chahani e o Pichupichu, os três cobertos de neve. É atravessada pelo Rio Chili, e sua atmosfera é tão diáfana, que em plena luz do dia vê-se Vênus, Júpiter e algumas estrelas. Mayna Capac, lá na primeira leva da colonização, mandou para lá 3.000 famílias.
Os tremores de terra, lá, são diários, sendo que os de 1582, 1687 e 1865 destruíram a cidade. Em 1537 esteve por lá Diego de Almagro, de volta do Chile. Francisco Pizarro já passara lá antes, em 1534, mas voltou em 1540, para começar uma nova cidade, e na sua sanha destruidora, não fica muito difícil entender como deve ter tratado os antigos moradores.
Hoje ela é uma cidade cheia de verdor, com uma alegre vista, construída de pedras brancas extraídas da lava fria do vulcão Chili.[1]
Na verdade, o povo daquela cidade construída no meio dos três enormes vulcões não se sente peruano – sente-se arequipeño. Arequipa tem seu próprio dinheiro, seu próprio passaporte, sua própria cerveja, seu próprio governo ... e uma gente simpaticíssima, que lotava a praça de armas e as ruas naquela tarde de domingo, como é tão comum acontecer nas ruas e praças das cidades hispânicas nas tardes e noites de domingo, e que acorreu toda a ver aquele bando de malucos que ali chegava como se fossem seres extraterrestres. Paramos todos na Praça de Armas lotada, e todo o mundo vinha nos ver e queria conversar. Enquanto os companheiros tomavam as providências que deveriam tomar, eu me deleitava no bate-papo com aquela gente simpática, que queria saber tudo da nossa viagem, e que me contava coisas que eu nem imaginava, como a história dos terremotos diários. Às vezes eram terremotos muito pequenos, que só eram detectados pelos sismógrafos, mas grande parte deles era sentido por toda a população, que vivia alegremente no meio daqueles três imensos vulcões que poderiam explodir a qualquer hora. O dinheiro deles não era o Sol, como no resto do Peru. Eles tinham dinheiro próprio, passaporte próprio, elegiam seu próprio presidente e não obedeciam ao presidente peruano – quando algo havia a ser feito, o presidente de Arequipa ia a Lima e os dois presidentes entravam num acordo, e então os arequipeños aceitavam a decisão. Se tinham medo dos vulcões? Claro que não, por que temeriam vulcões que estavam ali tremendo a terra desde que tinham nascido? Crianças, homens, mulheres, pessoas idosas, todos queriam conversar, mas em algum momento tive que ir embora – nossa chegada atraíra tanta atenção que até a polícia da linda e alegre cidade viera nos dar cobertura, e foi com um carro de polícia de sirene ligada à frente que nossa caravana se locomoveu até o hotel onde passaria à noite.
Lembro que naquela noite jantamos juntos, eu e Kako, o bonito rapaz do Rio Grande do Sul que nos esperara na Argentina, e que era o único jovem do nosso grupo. Sentamos num restaurante bem bonito, dos muitos restaurantes bonitos que existiam na região do hotel, e conversamos sobre coisas filosóficas.

[1] Idem, ibidem, V. 6, p. 46

• Escritora, historiadora e doutoranda em Geografia pela UFPR

Um comentário:

  1. Um lugar assim é um convite inequívoco aos pensamentos filosóficos. Viajar nas suas palavras, Urda, pode não ser tão divertido quanto estar lá, mas que é mais seguro, é. Os vulcões aqui ainda não chegaram. Boa viagem!

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