

Spirit-de-porc
* Por Cecília Giannetti
Alguns de vocês já devem ter se perguntado – na falta de coisa melhor em que pensar durante um feriado, por exemplo – o que um escritor faz para ganhar dinheiro num país no qual ninguém lê.
Ah, uma infinidade de coisas. Ok, nem tantas assim se excluirmos a prostituição. Com sorte, às vezes, algumas atividades são remotamente relacionadas à escrita. Como, por exemplo, avaliar livros que não serão lidos e escrever esses comentários sobre eles: "muito bom", "muito ruim", "senti vergonha alheia ao ler os capítulos 13 e 17", "quero receber um valor adicional por insalubridade" etc. Claro que não é só isso que escrevemos ao resenhar livros bons e ruins. Os pareceres críticos são beeem mais longos que uma frase. Mas eu resumo ao máximo aqui porque qualquer segunda-feira pós-feriado já seria particularmente chata sem que eu colaborasse para isso.
Também vendemos contos e croniquetas, que costumam sair mais jeitosinhos quando feitos a uma distância saudável do local de trabalho. Silêncio ajuda, e ficar entocado em casa sempre é meu jeito de obtê-lo. Salvo em casos de feriados como este que passou.
Não sei se a culpa é da recente divulgação do Evangelho de Judas ou de um spirit-de-porc inerentemente local mas esta celebração da Páscoa não me pareceu muito cristã. De onde eu estava, com uma penca de textos para entregar, prazos curtos e sem poder escutar meus próprios pensamentos, parecia até que era carnaval. Deus que me perdoe.
Não sou direiteca nem carola mas cadê a Igreja Católica quando a gente precisa dela? Com umas duas fogueirinhas já seria possível eliminar cerca de 90% dos bárbaros que lá fora professavam, durante o feriado (em incômodos decibéis), sua devoção a Ivete Sangalo, Grupo Calcinha Preta e trilhas sonoras internacionais de novela.
(Reclamar é uma atividade periférica e não necessariamente remunerada do escritor em países onde ninguém lê e muitos escutam Axégode em volume obsceno. Quando o escritor reclama de barulho e música popular de má qualidade, tende a soar politicamente incorreto e deliberadamente escrotinho. O leitor então deve desculpar-lhe a falta, especialmente na proximidade de feriados santos – tempo de perdoar).
Alguns rituais antigos da data foram mantidos no Rio. Na virada de sábado para domingo, um defensor das tradições ateou fogo num boneco de Judas no bairro do Leme; acabou provocando o incêndio de dois carros que estavam por perto e dando prejuízo aos donos dos veículos. Fugiu na madruga, sem deixar pistas senão as carcaças dos veículos.
Nas ruelas perto do Museu da República (Palácio do Catete), durante todo o fim de semana, pairava no ar o cheiro do tradicional churrasquinho em torno de barracas. Talvez a carne de gato, diferentemente de outras, não seja vetada aos fiéis. Tendo Judas culpa no cartório ou não, vertentes musicais distintas fizeram suas pregações pelas ruas. A zoeira me embaralha dúvidas: ainda faz sentido algum silêncio – para escrever, ler um livro ou um jornalzinho que seja? A exigência pode parecer anacrônica – se consideramos que a cidade é berro, a cidade é grito, e o escritor (seu trabalho, remunerado ou não) costuma refletir as nervuras metropolitanas. Talvez eu devesse ter esquecido as minhas queixas e me juntado à manifestação na rua, brandindo um copo de cerveja como todo mundo em homenagem a Cristo, que – maroto – conseguira ressuscitar.
Homens armados invadem a Prefeitura do Rio
Seria elitista e ingênuo afirmar que isto é um "divisor de águas", que agora sabemos o quanto a cidade está entregue: coisas mais violentas acontecem todos os dias em lugares onde a menção à autoridade da Prefeitura causa apenas indignação ou risadas. Mesmo assim não consegui deixar pra lá a notícia com a facilidade com que esqueci aquela sobre a falta de projeto dos candidatos em campanha hoje no país e - olha aí, eu esqueci.
Como ainda não me desvencilhei dessa do assalto à sede da Prefeitura no Rio de Janeiro, recorro a este consultório online. Preciso dividi-la.
É possível que isso não seja tão absurdo quanto parece? É possível que qualquer metrópole do mundo esteja sujeita a esse tipo de crime? O Rio já não é capital há décadas ("get over it, cariocas"), mas será que virou mesmo só um balneariozinho entregue ao bang-bang, como se diz pelos botecos? (E aí está um assunto que eu adoraria que fosse apenas conversa de bêbado).
16/04/2006 - 20h44
Da Folha Online
Cerca de dez homens armados invadiram a sede da Prefeitura do Rio de Janeiro na manhã deste domingo. Eles renderam funcionários da prefeitura e 15 guardas municipais que faziam a segurança na área.
O objetivo dos bandidos era levar dinheiro dos caixas eletrônicos que ficam no anexo do prédio, mas eles conseguiram arrombar somente dois caixas do Banco do Brasil. Ainda não se sabe o valor roubado.
A assessoria da Guarda Municipal informou que os homens armados renderam o guarda que estava na guarita de segurança e o levaram para a sala de plantão. Lá, o obrigaram a chamar os demais guardas para a sala. Conforme eles iam chegando, eram rendidos e amarrados com lacres de plástico.
Os criminosos levaram também celulares, um spray de pimenta, uma rádio-transmissor, um farda da Guarda Municipal e uma motocicleta usada pelos guardas que não tinha a caracterização da corporação.
***
Outra notícia que não esqueço:
A gatinha Molly, presa há duas semanas – sabe-se lá Deus por quê – em um buraco detrás da parede de uma loja de conveniência em Nova York foi resgatada ontem =>.
Jornalistas, moradores da vizinhança e desocupados em geral que acompanhavam o caso aplaudiram a gata preta do lado de fora da loja quando ela apareceu, levada pelo dono do estabelecimento. Nas duas semanas em que Molly, de 11 meses, ficou presa, 359 artigos foram publicados sobre ela na imprensa, de acordo com o Google.
Se o resgate de um felino foi capaz de gerar esse tipo de barulho, imaginem se a prefeitura de Nova York tivesse sido invadida por dez homens armados. Que escândalo não teriam feito, não é?
* Escritora e jornalista carioca, tem contos publicados em revistas e em antologias das editoras Record, Ediouro e Casa da Palavra. Seu primeiro romance será lançado em 2006 pela Agir. Edita a revista eletrônica Bala [www.revistabala.com.br] e faz stand-up comedy todos os dias no www.escrevescreve.blogger.com.br
* Por Cecília Giannetti
Alguns de vocês já devem ter se perguntado – na falta de coisa melhor em que pensar durante um feriado, por exemplo – o que um escritor faz para ganhar dinheiro num país no qual ninguém lê.
Ah, uma infinidade de coisas. Ok, nem tantas assim se excluirmos a prostituição. Com sorte, às vezes, algumas atividades são remotamente relacionadas à escrita. Como, por exemplo, avaliar livros que não serão lidos e escrever esses comentários sobre eles: "muito bom", "muito ruim", "senti vergonha alheia ao ler os capítulos 13 e 17", "quero receber um valor adicional por insalubridade" etc. Claro que não é só isso que escrevemos ao resenhar livros bons e ruins. Os pareceres críticos são beeem mais longos que uma frase. Mas eu resumo ao máximo aqui porque qualquer segunda-feira pós-feriado já seria particularmente chata sem que eu colaborasse para isso.
Também vendemos contos e croniquetas, que costumam sair mais jeitosinhos quando feitos a uma distância saudável do local de trabalho. Silêncio ajuda, e ficar entocado em casa sempre é meu jeito de obtê-lo. Salvo em casos de feriados como este que passou.
Não sei se a culpa é da recente divulgação do Evangelho de Judas ou de um spirit-de-porc inerentemente local mas esta celebração da Páscoa não me pareceu muito cristã. De onde eu estava, com uma penca de textos para entregar, prazos curtos e sem poder escutar meus próprios pensamentos, parecia até que era carnaval. Deus que me perdoe.
Não sou direiteca nem carola mas cadê a Igreja Católica quando a gente precisa dela? Com umas duas fogueirinhas já seria possível eliminar cerca de 90% dos bárbaros que lá fora professavam, durante o feriado (em incômodos decibéis), sua devoção a Ivete Sangalo, Grupo Calcinha Preta e trilhas sonoras internacionais de novela.
(Reclamar é uma atividade periférica e não necessariamente remunerada do escritor em países onde ninguém lê e muitos escutam Axégode em volume obsceno. Quando o escritor reclama de barulho e música popular de má qualidade, tende a soar politicamente incorreto e deliberadamente escrotinho. O leitor então deve desculpar-lhe a falta, especialmente na proximidade de feriados santos – tempo de perdoar).
Alguns rituais antigos da data foram mantidos no Rio. Na virada de sábado para domingo, um defensor das tradições ateou fogo num boneco de Judas no bairro do Leme; acabou provocando o incêndio de dois carros que estavam por perto e dando prejuízo aos donos dos veículos. Fugiu na madruga, sem deixar pistas senão as carcaças dos veículos.
Nas ruelas perto do Museu da República (Palácio do Catete), durante todo o fim de semana, pairava no ar o cheiro do tradicional churrasquinho em torno de barracas. Talvez a carne de gato, diferentemente de outras, não seja vetada aos fiéis. Tendo Judas culpa no cartório ou não, vertentes musicais distintas fizeram suas pregações pelas ruas. A zoeira me embaralha dúvidas: ainda faz sentido algum silêncio – para escrever, ler um livro ou um jornalzinho que seja? A exigência pode parecer anacrônica – se consideramos que a cidade é berro, a cidade é grito, e o escritor (seu trabalho, remunerado ou não) costuma refletir as nervuras metropolitanas. Talvez eu devesse ter esquecido as minhas queixas e me juntado à manifestação na rua, brandindo um copo de cerveja como todo mundo em homenagem a Cristo, que – maroto – conseguira ressuscitar.
Homens armados invadem a Prefeitura do Rio
Seria elitista e ingênuo afirmar que isto é um "divisor de águas", que agora sabemos o quanto a cidade está entregue: coisas mais violentas acontecem todos os dias em lugares onde a menção à autoridade da Prefeitura causa apenas indignação ou risadas. Mesmo assim não consegui deixar pra lá a notícia com a facilidade com que esqueci aquela sobre a falta de projeto dos candidatos em campanha hoje no país e - olha aí, eu esqueci.
Como ainda não me desvencilhei dessa do assalto à sede da Prefeitura no Rio de Janeiro, recorro a este consultório online. Preciso dividi-la.
É possível que isso não seja tão absurdo quanto parece? É possível que qualquer metrópole do mundo esteja sujeita a esse tipo de crime? O Rio já não é capital há décadas ("get over it, cariocas"), mas será que virou mesmo só um balneariozinho entregue ao bang-bang, como se diz pelos botecos? (E aí está um assunto que eu adoraria que fosse apenas conversa de bêbado).
16/04/2006 - 20h44
Da Folha Online
Cerca de dez homens armados invadiram a sede da Prefeitura do Rio de Janeiro na manhã deste domingo. Eles renderam funcionários da prefeitura e 15 guardas municipais que faziam a segurança na área.
O objetivo dos bandidos era levar dinheiro dos caixas eletrônicos que ficam no anexo do prédio, mas eles conseguiram arrombar somente dois caixas do Banco do Brasil. Ainda não se sabe o valor roubado.
A assessoria da Guarda Municipal informou que os homens armados renderam o guarda que estava na guarita de segurança e o levaram para a sala de plantão. Lá, o obrigaram a chamar os demais guardas para a sala. Conforme eles iam chegando, eram rendidos e amarrados com lacres de plástico.
Os criminosos levaram também celulares, um spray de pimenta, uma rádio-transmissor, um farda da Guarda Municipal e uma motocicleta usada pelos guardas que não tinha a caracterização da corporação.
***
Outra notícia que não esqueço:
A gatinha Molly, presa há duas semanas – sabe-se lá Deus por quê – em um buraco detrás da parede de uma loja de conveniência em Nova York foi resgatada ontem =>
Jornalistas, moradores da vizinhança e desocupados em geral que acompanhavam o caso aplaudiram a gata preta do lado de fora da loja quando ela apareceu, levada pelo dono do estabelecimento. Nas duas semanas em que Molly, de 11 meses, ficou presa, 359 artigos foram publicados sobre ela na imprensa, de acordo com o Google.
Se o resgate de um felino foi capaz de gerar esse tipo de barulho, imaginem se a prefeitura de Nova York tivesse sido invadida por dez homens armados. Que escândalo não teriam feito, não é?
* Escritora e jornalista carioca, tem contos publicados em revistas e em antologias das editoras Record, Ediouro e Casa da Palavra. Seu primeiro romance será lançado em 2006 pela Agir. Edita a revista eletrônica Bala [www.revistabala.com.br] e faz stand-up comedy todos os dias no www.escrevescreve.blogger.com.br
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