quinta-feira, 30 de setembro de 2010




O beija-flor e os bombeiros

* Por Lêda Selma

Já disse e redisse que, se não fosse gente, gostaria de ser estrela ou beija-flor. E também é sabido que sou fascinada por esse pássaro minúsculo, de modos elegantes e irrequietos, sugador de néctar e beijador de flores. Ah! fico enfeitiçada com o bater musical de asas do equilibrista da natureza! É tanto o meu fascínio que sempre acho um jeito de entremeá-lo em meus poemas: “Poesia é um colibri lindourado/com hálito de primavera”. Ou ainda: “Nos vincos de minha boca,/beija-flor colhe palavras/e poliniza saudades(...)”. Em um poema dramático, disse ao Júnior: “Sob as sombras da tarde louca,/senti teu perfume, filho,/naquele beijo tão branco./E só então compreendi:/beija-flor é alminha de anjo”.
Tudo aconteceu numa segunda- feira. Apesar da chuva, fui ao salão de beleza dar um jeito nos cabelos. Mal cheguei, uma das profissionais, disse-me: “Aquele beija-flor, há horas, entrou aqui, voou para o alto e não consegue descer para ir embora”. Olhei para a direção por ela indicada (credo, que pé direito altíssimo o da tal sala!?) e vi o pobrezinho voando tortamente, de um lado para o outro, perdido e estressado. A transparência do vidro aturdia-o e, como se achasse possível transpô-lo, precipitava-se repetidamente sobre ele, desesperado.

De pronto, sugeri: uma vasilha com água açucarada, sobre o balcão, perto da porta, para induzi-lo a achar a saída. Aflitas, ficamos na torcida, à espera da perspicácia olfativa do miudinho. O açúcar não o fez descer. Nova estratégia: colher umas flores na árvore em frente e avizinhá-las da água açucarada. Mais ansiedade e... nada! Continuava confuso, batendo no vidro, voando zonzamente, cansaço à mostra, risco de se machucar... E eu, com os cabelos lambuzados de tintura, legítimo arremedo de mim, maquinava uma ajuda mais eficiente. E meu pensamento insistia: “Beija-flor é alminha de anjo”. Ai, meu Deus, e se for de um anjinho distraído, que se desgarrou dos colegas por descuido? Uma ação mais decisiva, com jeito de sólida, urgia.

Os bombeiros! – decidi, já com o 193 digitado no celular. Um cabo da Corporação atendeu-me. Contei-lhe o drama do beija-flor e fui aconselhada a aguardar mais um pouco, na esperança de que a água açucarada e as flores ainda cumprissem a função por nós desejada. Uma hora depois, liguei novamente. Solícito, transferiu a ligação para sua superiora. Condoída com a delicada situação do miudinho, prometeu-me falar com um superior mais graduado e, se autorizada, destacaria um carro e uma equipe para o resgate do beija-flor. Emocionadas, aguardamos. E o miudinho ali, de lá pra cá, colidindo com a vidraça, desalentado e exaurido, afinal, há horas, não se alimentava e suas forças, por certo, já lhe minavam a resistência.
De repente... Viva! O beija-flor desceu, sugou a flor, tomou o rumo da porta e, qual um foguete, desapareceu; enquanto isso, outra profissional anunciava: “Os bombeiros chegaram!”. Constrangida, só me ocorreu perguntar aos dois sargentos a um cabo e ao motorista: por acaso, não toparam com o beija-flor aí fora? Ele acabou de passar por vocês!

É claro que lhes dei as explicações devidas. Como poderia, convenhamos, prever que o beija-flor me faria tamanha ursada?Uma aprontação e tanto, sem dúvida. Sim, porque durante horas ele se debateu, sofreu, não achou o caminho, e, assim, sem mais nem menos, justo quando seus salvadores chegaram, o fulaninho deixa-me no maior vexame?! Francamente!
Se toda instituição brasileira pudesse orgulhar-se de sua corporação e dos serviços prestados à comunidade, como o Corpo de Bombeiros, o Brasil seria bem mais sério, digno e grandioso. Afinal, é comovente o desprendimento desses abnegados guardiões da vida. São seres abençoados, a quem Deus iluminou ao lhes confiar o sagrado ofício da solidariedade e do verdadeiro amor ao próximo, mesmo que o próximo seja apenas um beija-flor.

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”!, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

2 comentários:

  1. Eu faria a mesma coisa e por passarinho menos nobre
    uma simples rolinha, fiz o vizinho subir no coqueiro
    para salvá-la, pois ficou com a perninha presa em
    uma linha de pipa.
    Lindo texto.
    Abraços

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  2. Eu dava-lhe uma estilingada!
    Nada que uma brita não resolva...
    Beija-flor safado...
    Fez hora com sua kra!

    Mas o texto é legal...
    Sem dúvida!

    ;**

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