domingo, 12 de setembro de 2010




Quem foi Silvestre Philippi

* Por Deonísio da Silva

Foi sepultado em Armazém (SC), domingo último, o padre Silvestre Philippi, falecido no dia anterior, aos 73 anos. Para os leitores terem idéia da importância dele na minha e na vida de vocês, basta que diga que, sem a existência dele, eu não estaria aqui escrevendo. Ou então meu estilo seria ainda pior.

Preciso dizer que na vida dos leitores há gente muito importante para este escritor? Apesar de óbvio, digo: a mãe, o pai, os irmãos, professoras e professores de vocês possibilitaram a maravilha deste encontro semanal nas páginas do JB (e aqui, no “Literário”) pois a vida de todos nós é repleta de mistérios e sutis complexidades, que nos tornam diferentes de uma abóbora, de um espinafre ou de um repolho.

Estava relendo um parágrafo de Lima Barreto, aonde fui levado quando relia contos de Jorge Luís Borges sobre o tema de Judas, quando tocou o telefone. Eu procurava uma expressão, ''pequeno prócer'', em si contraditória, já que prócer tem o sentido de pessoa influente.

Ex-alunos do padre Silvestre Philippi, entre os quais o alto funcionário, hoje aposentado, do Banco do Brasil, a poeta Solange Rech, e o empresário José de Souza Patrício, que em certo momento de sua vida trocou a leitura de parágrafos de Terêncio, que lia no original, em latim, pela fabricação de massas alimentícias, me ligaram ou escreveram para dar a triste notícia.

E minha memória começou a brotar. Das mãos do padre Silvestre Philippi saíram padres, professores, músicos, cantores, empresários, políticos e escritores, como é dito na apresentação do cedê Canções de Deus e dos Homens, lançado em 2005 para comemorar os 50 anos do Seminário Nossa Senhora de Fátima, de Tubarão (SC). Sem padres letrados, nossa educação teria lacunas terríveis.

Uma verdadeira multidão compareceu ao enterro do padre Silvestre Philippi, humilde servo do Senhor a quem tantos de nós devemos tanto. Foi ele quem me inspirou o personagem Divino Mann, em meu romance Teresa, namorada de Jesus: depois de morte trágica, os seminaristas descobrem entre seus papéis o original inédito de um texto para teatro sobre a santa de Ávila.

Há pouco mais de dois anos, quando o visitei pela última vez, deu-me um livro que eu procurava muito e não o encontrava em sebo nenhum. Quis fazer uma cópia, ele insistiu que não precisava devolver o exemplar, apesar de tão raro. Depois, Jaime Sprícigo e Wilson Volpato, outros de seus ex-alunos, lembraram que a grande marca do caráter de padre Philippi era a extraordinária generosidade.

Ele nos ensinava cantos religiosos e profanos com a mesma dedicação. Era igualmente musical o critério que utilizava para corrigir nossas redações, então chamadas composições, em português ou em latim. Ele ensinava as duas disciplinas, além de canto orfeônico. ''Não soa bem'', ''não sente que dói nos ouvidos?'', dizia, paciente. E mandava mudar a redação. Preocupava-se com a melodia do texto, que para ele era indispensável.

Ao concluir este texto apressado, reouço as canções que ele nos ensinou, entre as quais Tirintomba, ''onde alguém me soube amar'', e o Hino do Seminário, com cujos acordes e cantos ele foi enterrado: ''ao fitar nosso ideal tão sublime/ vamos todos erguer nossa voz''.

Por imposição da Igreja, foi-lhe proibido o amor das mulheres e viveu convicto de que no Paraíso, onde está, a vida seria melhor também nesse quesito, pois, leitor de Santo Agostinho, viveu certo de que ''a queda não melhorou nada e portanto também o gozo será melhor na outra vida''.

O Céu deve ser lugar muito aprazível, querido padre Philippi, como podemos imaginar nós, que deixamos o seminário e não aceitamos esta e outras restrições contrárias à vida. Que Teresa d'Ávila lhe seja boa companhia. Não tenho pressa, mas morro de curiosidade! Hereges dos primeiros séculos sentiram saudades do Céu, de onde teriam vindo nossas almas, e para onde um dia haverão de voltar, dizem.

* Escritor, Doutor em Letras pela USP, autor de 30 livros, alguns transpostos para teatro e TV. Assina colunas semanais no Jornal do Brasil, na Caras e no Observatório da Imprensa. Dirige o Curso de Comunicação Social da Universidade Estácio de Sá, no Rio.

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