quinta-feira, 10 de junho de 2010




Muros

* Por Marcelo Sguassábia

Se é preciso existir muros, que sejam de preferência cobertos de musgo espesso, góticos, úmidos e solenes, como que saídos de um filme de Tim Burton. Muros de hera, infiltrações e descascados, menos delimitadores e de alguma forma mais humanos, mesmo sendo muros. Possa o seu reboco ser bem mole e esfarelento, e aceite de bom grado o nome de quem se ama pichado ou em baixo relevo – o que for mais fácil e menos perigoso, antes que alguém chegue e transforme a ocorrência em boletim.
Que escore o amasso dos amantes e acolha as lamentações se houver pranto a pôr pra fora, desde que esse pranto seja sereno e silencioso a ponto de não assustar as crianças que brincam lá do outro lado. Lá, onde o muro é de outra cor e testemunha histórias outras.
Natural que o muro faça divisas, pois para isso foi erguido, mas que não cause divisões e sirva mais para proteger homens, cachorros e roupas no varal que para demarcar feudos de Mefisto. Não deixe que estraguem o muro tornando o muro trincheira, com cacos de vidro e arames farpados.
O muro é propriedade do mundo e de ninguém em particular, muros devem ser muros pelo direito dos muros existirem e mais nada. Se há os que prendem há também os que são lousas de poema, e é triste que os primeiros sejam tão menos raros que os segundos.
Os muros que se prezam têm buracos de um lado a outro, são comunicantes para as trocas de receitas, fofocas e gemidos comprometedores. Mantenha, por favor, esses buracos largos o bastante para que a vida alheia se devasse e se escancare, fazendo a delícia dos vizinhos. E para que a maledicência, esse defeito de fabricação da raça, possa se espalhar insidiosa pelo quarteirão.

* Redator publicitário há mais de 20 anos, cronista de várias revistas eletrônicas, entre as quais a “Paradoxo”

3 comentários:

  1. Maravilhoso. Parabéns, Marcelo!Abraço!

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  2. De preferência muros baixos e cercas sem arames farpados.
    Lindo texto Marcelo.
    Abraços

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  3. Um caso de amor entre você e o muro que poeticamente perde a sua característica principal que é separar, para adquirir nova capacidade de unir. Você abordou tudo que um muro foi, como também o que poderá ser: personalizou o inanimado. Ficou muito gostoso de ler.

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