terça-feira, 7 de abril de 2009

Saudade e uma Canção Desesperada




* Por Risomar Fasanaro


Este é o título do livro de Guilem Rodrigues da Silva, editado pela Ottoni Editora. Uma obra rara que reúne poemas de amor e de exílio. Guilem é um poeta que dificilmente você deverá conhecer, embora sua obra tenha a qualidade da melhor poesia criada no Brasil. Sabe por quê? Porque este é um país que do final dos anos 60 aos setenta, durante a ditadura, expulsou muito do que ele tem de melhor: os seus talentos.

Quando eu digo” terra” em português / esses dois erres soam em meus dentes / como partículas de terra/ flor floresce em meus lábios/”mane” será mais bonita que “lua”/ mas nunca “hav” do que mar(...)é com estes versos que ele inicia O Meu Idioma , um dos poemas do livro.

E Guilem, embora tenha este nome raro, é brasileiro. É um dos que viveram na pele e na alma a dor dos que se rebelaram e foram presos, torturados e partiram para viver no exilio.

“O Meu Idioma” revela a dificuldade de alguém que não aprende outra língua por escolha, como tantos jovens hoje fazem, mas pela dura necessidade da sobrevivência. Ele era marinheiro na época, e quando se viu em apuros foi viver no Uruguai, mas de lá foi para a Suecia, país ao qual nós, brasileiros que prezamos a democracia e a liberdade de ser e dizer, devemos muito; pois foi o único que em um determinado momento acolheu os que tiveram de fugir do país em que se encontravam (Chile, Uruguai, Argentina, e outros) quando os governos ditatoriais vigentes não os aceitavam.

A primeira parte desta obra está impregnada da dor daquela separação. Dos que deixaram para trás a mãe, o maior amigo, a mulher amada, mas principalmente a pátria em que nasceram. E é para ela que sob a metáfora de mulher amada ele dedica “Claros Sonâmbulos da Noite, um dos mais lindos poemas que compõem o livro e que o leitor poderá entendê-lo como a sua canção do exílio. Segue abaixo um pequeno trecho:

“Mulher amada nós os que saímos/ te queremos mais do que tu pensas/ Na ausência/ temos seguido de perto/ tuas tristezas/ tuas poucas alegrias/ Na distancia/ temos estado presentes dormindo duramente em cama alheia/ Nunca nos acostumamos/ aos arames farpados das fronteiras/ à falta dos sabiás e das palmeiras (...)”

A tristeza que perpassa por esses versos é tão forte que nos atinge enquanto leitores, e é possível imaginar o que é ser expulso de sua pátria, conviver com essa distância, ainda que não tenhamos vivido essa realidade.

Na segunda parte são versos dedicados às mulheres que ama (ou amou). E são os que dedica à Hilla Brita que revelam o grande poeta lírico que é. Vejam alguns desses versos do poema “Tu dormias”: Estavas dormindo rebelde e suave / teus sapatos / pequenos sapatos de mulher grande / como dois pequineses / guardavam teu sono/ (...) entre meus lençóis e meus sonhos / era o momento em que tu eras minha (...)”

E mais esses que compõem “Adágio”, também dedicados a Hilla: “tu brincavas com pedaços de lua / em meus lençóis brancos /Pequenas eram tuas mãos / no entardecer de junho (...)Tu eras a alegria / dos meus ternos anos/ (...)”

E há ainda o que ele dedica à filha Soraya, e que se intitula “Lá fora a noite veste-se de luto”:Quando o amor/ é levado pelo vento/ como esconder as nuvens / do pensamento?(...) Lá fora lutam a nuvem e o vento / (...) Enquanto eu velava / vi pela janela / que o amor voava /Levava-o o vento / o vento o levava / Primavera em Lund enquanto dormias”

E como diz Genildo Rebouças Barreto na apresentação da Obra, Guilem publicou vários livros e tem seus poemas traduzidos para o islandês, dinamarquês, persa, macedônio e inglês e foram publicados no México, Cuba, Estados Unidos, Noruega, Dinamarca e Islândia. Ele é presidente da Associação dos Escritores do Sul da Suécia (Escânia) e membro do Sindicato dos Escritores da Suécia e da Société Européenne de Culture em Veneza.

A obra é editada pela Ottoni Editora , SP, 2008. A capa e as ilustrações são de Carlos Augusto de Oliveira, e as fotos de André de Loisted, com concepção gráfica de Cristiano Vieira e revisão de Maria José Valinho Álvares.

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

Um comentário:

  1. Caro Pedro

    Não estranhe eu ser a primeira a comentar embaixo do meu texto. É que não resisti. Amei esta Casa Nova. O cheiro de tinta das paredes recém pintadas se mistura ao odor da madeira, madeira de lei, como dizia minha mãe quando se referia a alguma pessoa ou algo de excelente qualidade, e que ela gostasse muito.
    Amigo: aqui estamos, e depois de tantas batalhas pela vida afora não seria agora que iríamos desistir.
    Acho que todos nossos amigos do Literario irão gostar tanto quanto eu. E que facilidade para entrar. Parece a casa de um Amigo meu de 68, que faleceu, o JB de Niteroi, não precisa de chave, é chegar e entrar.
    Estou muito feliz nesta Casa. Obrigada, Pedro, você é um grande Editor.
    Abraços
    Risomar

    ResponderExcluir