Somos todos narizes
* Por
Donald Malschitzky
Qual sua primeira
lembrança na vida? Possivelmente não será um cheiro, mas, se acordarmos nosso
inconsciente, é bem provável que ele diga como cheirava o lugar do nascimento,
o sangue etc.. As lembranças menos remotas, da infância, por exemplo, já nos
remetem a cheiros: nosso quarto, a mãe, a comida que ela fazia, pão assado,
lavanda, biscoitos. Com um pouco de esforço, povoarão nossa memória o cheiro
das pessoas, do trabalho, do suor, dos perfumes usados por outros – lembra de
“Perfume de Mulher” – ?
De nossos sentidos,
talvez o menos estudado seja o olfato, apesar dos narizes empinados, torcidos,
aguçados, nervosos, curiosos.
Pois descobriram que
cada ser humano é um imenso nariz! Temos receptores olfativos em todo o corpo e
nossa pele está repleta deles! Parece brincadeira, mas não é. Então aquela
coisa de “pintou um clima”, “a química foi perfeita” não é bem ligada a clima
ou química, mas a odor, mesmo. Perdeu a graça ou explicou melhor?
Mas tem muita coisa
boa nisso: quando esses receptores são expostos ao cheiro de Sandalore, um odor
sintético de sândalo muito usado na fabricação de perfumes, começa uma
enxurrada de sinais moleculares que, ao que parece, induzem à cura de lesões
nos sentidos. Hans Hatt, da Universidade de Ruhr Bochum, na Alemanha, descobriu
que a pele se recupera 30% mais rápido de abrasões (raspagens) se há Sandalore
presente. Isso pode ser uma revolução no tratamento da pele e, mesmo, de
traumas. Ele também descobriu receptores olfativos no fígado, coração, pulmões,
cérebro e outros órgãos.
Outra cientista, Grace
Pavlath, da Universidade Emory, de Atlanta, descobriu que quando os receptores
de músculos esqueléticos são banhados com Lyra – fragrância sintética com
perfume de lírio – acontece a regeneração do tecido muscular.
O caminho ainda é
longo, dada a complexidade dessa rede de receptores, mas há todo um imenso
universo microscópico se abrindo.
Receptores olfativos
encontrados nos testículos formam uma espécie de sistema químico que mostra o
caminho aos espermatozoides até o óvulo. Portanto, de alguma forma, somos
cheiro antes de nos tornarmos sopro de vida. E somos perfumados sopros,
absorvendo jardins, mesmo quando vivendo as misérias do mundo.
*
Escritor.
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