quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Reserva


* Por Mara Narciso


Reservar é poupar, guardar, fazer segredo, ocultar. Os amigos sugerem “não sofra antes da hora”, para que se guarde energia para o momento propício. Melhor gastar a força com parcimônia no período que antecede a revelação, para que se tenha coragem na hora crucial. Por inútil, a preocupação, paralisia no momento presente para tentar mudar o futuro, não deveria ser sentida. Ainda que seja um consumo de energia sem nenhum proveito é vista por alguns como uma virtude. “Mas eu me preocupo com você!” Melhor ocupar-se, pois estudos mostram que 85% das preocupações não se concretizam (ignoro a fonte).

Ser discreto e não escancarar a vida e os problemas pessoais ou de pessoas próximas é tido como reserva de mercado. Falar demais a quem não merece confiança é certeza de aborrecimento. A discrição, sim, é virtude, especialmente tratando-se de sentimentos, doenças e negócios. A inveja pode fazer o ouvinte mudar de lado e enviar maus eflúvios. O mundo se move ao poder das emanações invisíveis, e das ruins ninguém quer ser alvo.

Em tempo de descrença generalizada, período em que debaixo de cada pedra tem uma serpente, a reserva moral vale ainda mais. Felizes dos que podem confiar em alguém a ponto de pular de cabeça do alto do trapézio de braços e peito abertos, e olhos e corpo fechados, sem medo. A existência de pessoas desse tipo no seu rol de relacionamentos vale muito, é mais do que ter dinheiro, é força, segurança, garantia e equilíbrio.

Quase nenhum jovem toma cuidados adequados com sua saúde, e pensa que esse bem será eterno. Cuida-se relativamente bem da pele, mas se esquecem dos ossos e dos músculos, e da perda acelerada da massa óssea e muscular da maturidade. Se fizer algum exercício é pensando unicamente na estética daquele momento. Tais reservas serão úteis quando a recuperação desses bens físicos se tornarem mais difíceis.

Poupar lembra dinheiro e é bom que se reserve algum para momentos de dificuldade econômica, hora de buscar na reserva. No nosso sexto ano de seca, é preciso reservar água, energia, reduzir a produção de lixo, pensar no coletivo.

Também se devem poupar emoções ruins vindas de discussões inúteis, especialmente no campo religioso, futebolístico e político, feitas entre pessoas de ideias petrificadas e alinhamento de pensamento oposto ao seu, e isso é óbvio. Explosivas discussões são lidas nas redes sociais, palcos de engalfinhamentos dos mais ferozes, infelizes e infrutíferos. Seria bom que fossem levadas adiante, porém de forma civilizada.

Em reserva de hotel a palavra reserva está ligada a algo bom que deverá ser utilizado mais tarde. Em reserva florestal significa preservar e não utilizar.

Para quase tudo, gastar com moderação, fazer economia, porém evitando a avareza. Confiar, com reservas, se declarar com reservas, porém amar sem reservas, guardando para si as exatas dimensões desses arroubos, pois o que há em abundância não tem valor. Discreta, poderia reservar-me o direito de ficar calada, mas direi que vivi, vivo e viverei apaixonada, reservadamente.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   


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