quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Quando o verde dos teus olhos


* Por José Geraldo Neres


A estiagem prolongou-se levando o brinquedo preferido. O Mandacaru alimenta e fere os olhos verdes da inocente infância. Lágrimas secas rolam de semblantes amarelos. A esperança é uma nuvem d’água, mas essa migrou para um povoado distante.

O alazão voador está aprisionado no solo ressequido, seu olhar pede um pouco de carinho - não consigo mais sonhar.

Meus amigos brincam de esconde-esconde, uns na jardineira engolidora de pais e, enquanto aos outros, a fome fechou os olhos.

Zezinho e Antônio são companheiros de caminhada para a escola – e esta é nossa única sombra de um futuro melhor.

Na volta da aula uma momentânea alegria me acalma. Perco-me propositadamente de meus colegas e sigo Ana: flor que nunca vi, a estranha e mais bela nestes sertões. Seu perfume é só meu. Para minha sorte, eles a ignoram.

Nossa caminhada é prazerosa, embora o tempo imponha seu curso impiedosamente: sol, mugido de gado extinto.

Ana me carrega e seu sorriso brilha como uma manhã nunca vista. Promete desvendar-me seu segredo, assim que chegarmos em sua morada. O caminho parece diferente, as aventuras ficaram para trás.

Debaixo de uma grande árvore, com galhos de folhas mortas, ela revela de forma enigmática:
– Voltarás a sonhar. O teu caminho será verde. O céu te dará asas. Amanhã não voltarei.

Naquele dia de setembro, como em muitos outros dias do ano, Zezinho e Antônio foram à minha casa. A notícia dada por minha mãe não os assustou, fazia parte do cotidiano da região:
– Ele só esperou a primavera, parece estar sonhando.

O silêncio apoderou-se de meus amigos e assim se retiraram de casa.

De volta à peregrinação, Antônio acrescentou:
– Aquela flor que ele segurava, eu nunca vi aqui no sertão.

* Poeta e curador da Quinta Poética de São Paulo, blog “Outros Silêncios” -  HTTP://neres-outrossilencios.blogspot.com




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