domingo, 4 de maio de 2014

Brasília real aos 54 anos

* Por Emanuel Medeiros Vieira


Fragmentada crônica “poética” para os que aqui nasceram e também para os que aqui vieram morar –  amaram e honraram a cidade.

Para dona Eliete, com saudade. Em memória de Ivan Moreira da Silva e de Ronaldo Paixão Ribeiro. Em memória de Gabriel Garcia Márquez   
             
Nada do que vivemos tem sentido se não tocarmos o coração das pessoas. Tomo o Grande Circular, W-3 Sul,  W-3 Norte,  mangueiras em flor,  primeiras chuvas,  a grama ficando verde. Penso na “Sinfonia da Alvorada”,  nos pioneiros, no barro vermelho, não, não a capital do estatuto, dos maquiáveis planaltinos, mas a urbe de Clarice e do Lucas, de Renato Russo lecionando na “Cultura Inglesa” aos 19  anos,  indo a pé ao Cine Brasília, atravessando os verdes, SQS, SQN.

Não SOS – meu particular socorro nas noites do hospital “Santa Lúcia – em que ‘quase’ desmoronei, e recebi a Unção dos Enfermos, e me deram dois dias de vida – e estou aqui. Da Feira do Guará, onde Clarice dançava forró  ao som de Luiz Gonzaga, outros sábados, o “Beirute”, o “Bar do Raul” e o finado “Bar do Afonso”.

O “Campo da Esperança”, onde deixarei os meus ossos, e lá ficaram o Esmerino,  a dona Eliete,  o Evandro, Navega, o Fernando, o Márcio, o Albino, o  Côrtes, o Elídio, o Ivan  e   tantos  outros.  

Ah, cidade bandas de rock, e onde vi Glauber Rocha no Festival de Brasília e  conversei carinhosamente com o conterrâneo/cineasta Rogério Scanzerla, que foi interno no Colégio Catarinense, e há poucos anos morreu de câncer.

Cidade de amores findos e tão belos, urbe de sonhos feitos/ desfeitos da esperança e da solidão, cidade de amigos eternos das belas morenas aqui nascidas, do SCS (agora “traduzo”- Setor Comercial Sul), onde assisti ao comício pelas Diretas, Tancredo, Ulysses, do belo campus da UnB, das cidades-satélites, da riqueza concentrada, do Plano Piloto (não “Pilatus”).

Cidade deste meu andar, desta escrita, deste sábado de setembro, céu de anil, leio no parque, escrevo na máquina elétrica, encantos cerrados, florzinhas descobertas aos poucos, da louvação às primeiras chuvas, do amolador de facas (a cidade tem esquinas sim: é preciso decifrá-las), belos crepúsculos, o Parque da Cidade, a Água Mineral, a cidade real (não a da mídia) não vive nos palácios, mas no rosto de muitos brasis.

Ah, Clarice, Lucas, e Célia – baiana que aprendeu a amar o Planalto Central, um dia não estarei mais aqui (apenas estrume), memória, e chegarão as chuvas de outubro – amando, pois só me resta amar – até à eternidade.             

Romancista, contista, novelista e poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros como “Olhos azuis – ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos caminham comigo nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava simpósios”, entre outros. 


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