Brasília real aos 54 anos
* Por
Emanuel Medeiros Vieira
Fragmentada
crônica “poética” para os que aqui nasceram e também para os que aqui vieram
morar – amaram e honraram a cidade.
Para
dona Eliete, com saudade. Em memória de Ivan Moreira da Silva e de Ronaldo
Paixão Ribeiro. Em memória de Gabriel Garcia Márquez
Nada do que vivemos tem
sentido se não tocarmos o coração das pessoas. Tomo o Grande Circular, W-3
Sul, W-3 Norte, mangueiras em flor, primeiras chuvas, a grama ficando verde. Penso na “Sinfonia da
Alvorada”, nos pioneiros, no barro
vermelho, não, não a capital do estatuto, dos maquiáveis planaltinos, mas a
urbe de Clarice e do Lucas, de Renato Russo lecionando na “Cultura Inglesa” aos
19 anos,
indo a pé ao Cine Brasília, atravessando os verdes, SQS, SQN.
Não SOS – meu
particular socorro nas noites do hospital “Santa Lúcia – em que ‘quase’
desmoronei, e recebi a Unção dos Enfermos, e me deram dois dias de vida – e
estou aqui. Da Feira do Guará, onde Clarice dançava forró ao som de Luiz Gonzaga, outros sábados, o
“Beirute”, o “Bar do Raul” e o finado “Bar do Afonso”.
O “Campo da Esperança”,
onde deixarei os meus ossos, e lá ficaram o Esmerino, a dona Eliete, o Evandro, Navega, o Fernando, o Márcio, o
Albino, o Côrtes, o Elídio, o Ivan e
tantos outros.
Ah, cidade bandas de
rock, e onde vi Glauber Rocha no Festival de Brasília e conversei carinhosamente com o
conterrâneo/cineasta Rogério Scanzerla, que foi interno no Colégio Catarinense,
e há poucos anos morreu de câncer.
Cidade de amores findos
e tão belos, urbe de sonhos feitos/ desfeitos da esperança e da solidão, cidade
de amigos eternos das belas morenas aqui nascidas, do SCS (agora “traduzo”-
Setor Comercial Sul), onde assisti ao comício pelas Diretas, Tancredo, Ulysses,
do belo campus da UnB, das cidades-satélites, da riqueza concentrada, do Plano
Piloto (não “Pilatus”).
Cidade deste meu andar,
desta escrita, deste sábado de setembro, céu de anil, leio no parque, escrevo
na máquina elétrica, encantos cerrados, florzinhas descobertas aos poucos, da
louvação às primeiras chuvas, do amolador de facas (a cidade tem esquinas sim:
é preciso decifrá-las), belos crepúsculos, o Parque da Cidade, a Água Mineral,
a cidade real (não a da mídia) não vive nos palácios, mas no rosto de muitos
brasis.
Ah, Clarice, Lucas, e
Célia – baiana que aprendeu a amar o Planalto Central, um dia não estarei mais
aqui (apenas estrume), memória, e chegarão as chuvas de outubro – amando, pois
só me resta amar – até à eternidade.
Romancista,
contista, novelista e poeta catarinense, residente em Brasília, autor de livros
como “Olhos azuis – ao sul do efêmero”, “Cerrado desterro”, “Meus mortos
caminham comigo nos domingos de verão”, “Metônia” e “O homem que não amava
simpósios”, entre outros.
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