quarta-feira, 7 de março de 2012







Comentário sincero sobre Cantar de Amiga

* Por Mara Narciso

Acorda, não tenhas medo.
Teus olhos feridos verão outra vez;
Teu corpo curvado terá o mesmo porte
Da mais bela jovem que foste em seu tempo
E airosa andarás nos incertos caminhos,
Do incognoscível domínio da morte.
Acorda!
O amado infiel, já ansioso te espera
E amor te oferece
Perfeito e profundo,
Amor absoluto, porque nos silêncios
Do nada floresce.”
(Fragmento de Acorda, minha beleza, para a mãe já morta)


Faltando poucos dias para os seus 97 anos, publicidade que alguns amigos acham deselegante, a professora de Literatura Dona Yvonne Silveira lançou o seu Cantar de Amiga. Ela própria questionou o motivo de publicar tal livro, cuja feitura demorou uma vida inteira. Justificou que não era por vaidade, que tinha coisas a dizer e que se o Dr. João Vale Maurício fosse vivo a criticaria, pois os poemas são uma sequência de adulações. Falando sobre esse impossível comentário desabonador, de pé, firme e de improviso, ela insistiu que os poemas não eram mais do que admiração a quem merece.
Tenho ouvido falas de Dona Yvonne nos últimos sete anos e nunca a vi discursar com tanta alma e convicção. Emocionada, falava com clareza e alegria, o que não vinha sendo seu habitual, desde a morte do marido. No entanto, ao referir-se ao seu Olintho Silveira chorou e fez chorar. No Elos Clube de Montes Claros, sua apresentação foi complementada por Maria Luiza Telles, Miriam Carvalho, Karla Celene, Edgar Antunes Pereira e Wagner Gomes. Lucinha Macedo encantou nos teclados.
É natural falar bem de Dona Yvonne, uma senhora que a cada ano fica mais bonita. Ela é pura educação e bondade. As marcas que a vida vai lhe deixando não trazem amargura, e sim simpatia. Todos querem estar ao seu lado, tirar foto com ela, fazer-lhe uma visita, ofertar-lhe flores, levar-lhe um abraço.
Perto do Natal, e com muita chuva, não se esperava casa lotada e nem que ficasse pequena para evento. Pois ficou. Foi uma surpresa, porque lançamento de livro não é a preferência nacional. Mas lá estavam os seus amigos. Uma cena boa para se estar inserido. Depois dos discursos, o coquetel e a fila de autógrafos, que de tão longa me impacientou. Comprei o livro e parti.
Num outro sábado fui visitá-la e capturar-lhe a assinatura. Com a doçura que demonstra vida afora, gentil e como sempre parecendo ter acabado de sair do banho, recebeu-me com sorrisos. Falei que, curiosa, tinha lido boa parte da obra. Surpresa para mim, que não sou atenta a poemas, preferindo a prosa, li com a necessidade dos esfomeados. A casa de Dona Yvonne estava lotada de flores. Contou-me que eram presentes do aniversário na véspera. Falei que leria todo o livro (279 páginas) e voltaria para lhe contar o que achei. Mas ela queria por escrito. Então estou aqui escrevendo.
Diferente dos demais, não fui aluna dela, mas tive o meu livro Segurando a Hiperatividade apresentado pela eterna Presidente da Academia Montesclarense de Letras. Mostrou tanta boa vontade em ler a história do meu filho, em tempo recorde, que ficou a amizade. Depois lhe fiz algumas visitas.
Foi fácil ler os poemas de Dona Yvonne. Tornou-se possível conhecer ainda melhor a dama que ela é. Fina e educada, não viu defeitos nos seus retratados - amigos que mereceram suas cantigas-, apenas o lado bom, positivo, de beleza, de coragem, de luta, de conquista. Pessoas diferentes foram mostradas de forma semelhante. Ainda assim a obra não é monótona, devido ao vocabulário expressivo que me despertou. As batalhas de cada um, as perdas, as curvas da vida são mostradas de forma doce e romântica. É como se as tragédias fossem leves mergulhos e discreta falta de oxigênio, para logo se retornar a tona, e a vida continuar bela, cheia de flores, céus azuis e gente boa a nos adornar a vida.
Algumas meninas tiveram seus 15 anos homenageados por Dona Yvonne. São variações sobre a mesma temática. Com a tradicional imagem da rosa em botão, pode-se ver que Dona Yvonne acredita que as moças continuam tão puras como antigamente, mesmo sabendo que não, escreve como se assim o fosse. Embora, aparentemente ingênua, deduzo que um pouco de romance não faz mal, e nossa escritora sabe disso, principalmente quando fala de casamentos longevos, em profusão no livro.
A demora em dar corpo a sua obra pessoal, depois de tantas parcerias, aconteceu por que, ao contrário do que parece, a professora é muito crítica consigo mesma. Os desenhos feitos por ela são questionados, num arrependimento de que não deveriam fazer parte do livro. E por que não? Seu defeito é querer agradar sempre. Num mundo tão sujo, andar pelo universo do bem, bem nos faz.
A volta à infância, de quem nasceu em 1914, é uma viagem sem mágoas ou arrependimentos, onde o passado é visto em cores bonitas, com alguma nostalgia, cheio de pessoas reais, e não de fantasmas. É característica de Dona Yvonne não lamentar o que foi vivido, e revivê-lo em versos sob ótica benevolente não foi ruim.
A lista de homenageados é longa, a maneira de fazer elogios é poética, com ritmo e graça. Muitos versos nos tiram um sorriso. Ver o lado bom do mundo colore a nossa imaginação. Quando as notícias não são boas, mudá-las não convém, e vê-las pelos olhos da nossa poetisa, as faz saborosas. Dona Yvonne conseguiu nos dar este presente. Com suas palavras enfeitou o mundo, e com amor operou mágicas, nos alegrou e fez pessoas comuns ficarem raras. Esse é o maior mérito dos seus versos.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

6 comentários:

  1. Parabéns a ambas - Yvonne e Mara. Quase pude ler o livro pela sua descrição, Doutora. Um grande abraço pra você.

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  2. Quando mostrei a Dona Yvonne o meu singelo comentário, ela me disse que, dois meses e meio após o lançamento do seu livro, ninguém tinha publicado nada. Então vi a importância de eu tê-lo feito, pois li o livro com muita vontade e prazer, e não escrever sobre isso seria uma falta minha. Obrigada pelas suas palavras, Marcelo.

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  3. Repeito muito suas críticas e comentários, Mara, pois vejo que em suas palavras há conhecimento e uma análise emocionada. E quando lemos seus textos, penetramos no universo do autor com muita intimidade, tendo suas descrições como guia.
    Abraços

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  4. Mara,
    bela homenagem.
    Li seu comentário respondendo ao Marcelo. Imagino a felicidade dela ao ler seu texto cheio de respeito e carinho.
    Dona Yvonne deve ser uma mulher admirável. Chegar aos 97 anos, lúcida, lançando livros, não é para qualquer uma , não.
    Quantas histórias de vida Dona Yvonne deve ter para contar ? Quantas lições ?
    Lindo também é seu coração, Mara.

    Beijos

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  5. Bela homenagem Mara, parabéns.
    Abraços.

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  6. Meninas, você são umas gracinhas. Obrigada a todas pelo carinho.

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