quarta-feira, 21 de março de 2012







Muito amor dentro e eu fora de mim

* Por Mara Narciso


Não importa o motivo, ficar em casa lendo é uma alternativa feliz. Já tinha lido dois livros de Martha Medeiros, Doidas e Santas e Feliz por nada. A escritora e também jornalista, de 51 anos, escreve o que gente comum quer ler, quer falar e não sabe como, e assim angaria levas de leitores e admiradores. Usando termos e recursos literários singulares, ela acerta no tom, algo psicanalítico, e parece uma amiga confiável, capaz de sair de casa num domingo à tarde para acudir aos necessitados com palavras certas.
Algo frustrada com a Publicidade publicou poemas após morar no Chile. Ao chegar ao Brasil, passou a escrever crônicas para jornais, com grande sucesso. Cronista consagrada do jornal Zero Hora de Porto Alegre e de O Globo, do Rio de Janeiro, há mais de uma década seus textos são vistos circulando pela internet. Algumas pessoas acham suas reflexões banais, e outros a valorizam como uma escritora completa. O escritor Pedro Bondaczuk a incensou na área poética, assim como a elogiou como romancista e cronista.
Em duas horas e meia li as quase 130 páginas do seu livro Fora de Mim, de 2010. Qualquer um que já perdeu um amor se identificará em suas páginas. Martha Medeiros faz um duro relato pessoal, que pode não ser caso próprio, no entanto convence como se realmente fosse. Envolve, arrebata, hipnotiza, e o leitor, capturado pela sua causa, não consegue se desgarrar, enquanto não lê a derradeira página. Isso é um feito e tanto, numa terra de pessoas que não leem.
O livro é dividido em três partes, sendo a primeira a mais delirante, pois narra a separação e o vazio dilacerante que se segue, coopta o leitor, e a maneira em que se desenrola a ação poderia ter sido vivenciado por muitos que já se perderam numa paixão. O que se passa e o que se sente são de certo modo previsíveis, porém escritos de um jeito inovador. Dá pra acreditar? Depois de séculos cantando o amor que não deu certo, ou que deu certo por um tempo e depois se acabou, ainda é possível dizer algo diferente? Pois foi.
O centro da descrição é o sofrimento físico e mental de quem fica só após uma paixão correspondida por dois anos: o tempo regulamentar, que, dizem, dura a paixão. Segui seu sofrimento com ávido voyeurismo, sofrendo junto, recordando rompimentos passados e futuros, pois na leitura se descobre que paixão não ocorre apenas uma vez, mas é sentimento recorrente.
O marcante nessa obra que seduz é a espontaneidade da conversa da autora com seu ex-amor. O livro é uma fala sincera, cheia de lamentações, auto-piedade, arroubos de loucura, mas sem ameaças. E não é leve. Os desejos da abandonada vão acontecendo no decorrer dos dias, e são: vontade de matar, de morrer, de matar a outra, de não comer, de não dormir, de emagrecer de tristeza, de não tomar banho, de chorar, ficar solta no ar, mal abrir os olhos, ou até de não querer se levantar. Todos os desesperos vão desfilando. A personagem chora e faz chorar sem pejo. Não sei, porém, se essa eficácia é apenas com os corações femininos. Os detratores de Martha Medeiros dizem que ela só escreve para as mulheres.
O drama da separação é dissecado camada a camada, e o tempo vai amortizando a dor, voltando à rotina, a princípio, sem sentido, mas aos poucos a quase morta percebe que vai sobreviver. Seguindo os passos de uma pessoa ferida mortalmente, e acompanhando o seu sofrimento, sentimo-nos de certa maneira confortáveis por não estarmos na situação dela. O leitor se envolve, porém do lado de fora do drama, respirando bem, oxigenando-se, vendo-a afogar-se. Para os experientes, o passado pode retornar de forma rascante: a ferida se abre e sangra, tal a força da descrição.
A perda amorosa é mais dolorosa do que a morte da pessoa. Há quem tenha se sentido como a personagem, tão transfigurada como se estivesse sem a pele, e com dores de quem foi escaldada viva. A obra é um pouco como um manual de sobrevivência. Ou ainda, sugestões para não morrer de amor. Um livro que qualquer um gostaria de ter escrito e até mesmo de ter vivido, pois, embora o amor acabado leve a dores torturantes, maior vazio passa quem nunca teve um amor. O deserto de se estar sem um determinado alguém só não é maior do que a aridez da existência de quem nunca amou, e cuja vida sentimental foi um céu sem nuvens. E por isso mesmo sem emoções. Então, é melhor estar fora de mim.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”-

5 comentários:

  1. Oi, Mara. Também gosto demais da Martha Medeiros, embora só tenha lido dela crônicas esparsas, nunca um livro do começo ao fim. É como você disse: ela tem o dom de conversar com o leitor, algo aparentemente - mas só aparentemente - simples. Parabéns pelo texto.

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    1. Disseram-me que se Martha Medeiros visse meu comentário iria tomar-me satisfações, pois eu digo que ela escreve de maneira simples. Pode até ser que ela não goste do que eu escrevi, mas se falassem do meu texto o que eu disse do dela, eu entenderia como elogio. Obrigada, Marcelo, pela sua amável atenção.

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  2. Mara, adoro a Martha Medeiros. Seus textos são interessantes e escritos de uma forma que me prendem demais. ( A mim e a milhares de pessoas). O livro citado é incrível e também li rapidamente, devorei. Ótima crônica, abraços.

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    1. Também gosto e não acho nada superficial. A comunicação se dá de forma profunda, falando aos nossos sentimentos. Acredito que fale aos dois gêneros, e não apenas para nós, Sayonara. Obrigada pelo comentário.

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  3. Preciso ler esse livro... com sua narrativa, me encontrei nas várias situações mencionadas.
    Abraços!

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