quinta-feira, 22 de março de 2012







Tarde demais 17


* Por Gustavo do Carmo

Faziam sexo selvagem pela casa. Começaram na cozinha. Foram para a área de serviço. Na sequência, a despensa. Rodopiaram de volta para a cozinha, onde derrubaram copos e pratos, e seguiram o roteiro erótico pelos cômodos: a ampla sala, o lavabo, de novo a sala, o corredor, o banheiro social e finalmente o quarto do casal.
Deixaram um rastro de selvageria pelo apartamento, como cortinas rasgadas, enfeites da mesa quebrados e o portarretrato em que a dona do apartamento aparecia abraçada ao marido, irmão da moça.
O casal estava quase chegando ao orgasmo mútuo. Só não conseguiram porque a mulher ouviu o interfone.
— Não foi o interfone não. Deve ser do vizinho. Dissuadiu o homem.
—Não. É aqui mesmo. A mulher insistiu.
— Ah, meu amor. Não atende não. Está tão gostoso aqui.
— Vou atender sim! Eu não estou na minha casa. Esqueceu que estou morando de favor?
Deixou o namorado contrariado na cama do casal (da dona da casa), pegou as roupas e foi vestindo no caminho até a sala.
— Já vai!
Antes dela atender o interfone tocou a campainha. Ficou em dúvida. Atende o interfone ou a campainha? Escolheu o que tocou primeiro.
— Alô?
A linha já tinha caído. Viu, pelo olho mágico da porta, dois homens de camiseta azul escura, aparentando serem técnicos de telefonia ou TV a cabo.
— Quem é? Ela perguntou sem abrir a porta.
— Boa tarde, minha senhora. Nós somos da RedeCW e viemos para a instalação.
Ela abriu a porta. Um pequeno seio branco, de auréolas rosadas, pulava para fora da camisa social masculina, mal abotoada, que pertencia ao namorado. Estava com os cabelos desgrenhados, a respiração ofegante e o suor escorrendo pelo rosto. Percebendo o descuido na frente de dois negros, um magrinho e outro gordo, escondeu-os rapidamente.
— Me desculpe, mas nós assinamos outra operadora. A dona da casa me contou que o irmão dela esperou um dia inteiro no mês passado e vocês não vieram. Ele ficou revoltado com a falta de profissionalismo de vocês, ligou para a Hell, marcou a instalação e eles vieram no mesmo dia.
— Ah, tá! Chegamos tarde demais, né? Obrigado. Tenha uma boa tarde.
— Boa tarde.
No mês seguinte, a RedeCW telefonou para a dona do apartamento, anunciando uma oferta imperdível para ela trocar de operadora. A cunhada inquilina estava quase chegando ao orgasmo.


* Jornalista e publicitário de formação e escritor de coração. Publicou o romance “Notícias que Marcam” pela Giz Editorial (de São Paulo-SP) e a coletânea “Indecisos - Entre outros contos” pela Editora Multifoco/Selo Redondezas - RJ. Seu blog, “Tudo cultural” - www.tudocultural.blogspot.com é bastante freqüentado por leitores.

Um comentário:

  1. Nada mais brochante do que uma interrupção
    na hora "H", mas narrada de forma tão leve
    e divertida fez valer a pena.
    Ótimo texto.
    Abraços

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