quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012







Os óculos do John ou o olhar do Paul *

**Fernando Yanmar Narciso


Dia desses, quando fui buscar minha guitarra na escola de música, ouvi a conversa de dois alunos pré-adolescentes. Um deles tentava aprender a tocar Tempo Perdido, clássico do Legião Urbana, enquanto o outro achava graça da letra. Claro que ele não tinha entendido o que Renato Russo queria dizer, mas aí fiquei pensando: QUANTOS dos que gostam da música e da banda realmente entendem o significado dessa letra e de todas as outras do músico? E qual é a relevância de se entender a letra para curtir o som? Afinal, vivemos num tempo que a batida dá mais dinheiro que as palavras.
Por mais que os beats eletrônicos, samplers, mesas de DJ, o maldito Autotunes e o hip-hop tenham imperado nas rádios na última década, a imagem que o rock deixou para a humanidade permanece viva e forte, apesar de...
Sabem aquele espírito contestador, rebelde e nervosinho que o rock “sempre” teve? Esqueçam. Hoje em dia, para o rock tocar nas rádios, precisa ter guris que mal chegaram aos 20 anos, com visual carregado em cores que nem o movimento GLS tem mais coragem de adotar, penteados no estilo Neymar, letras que poderiam muito bem ser cantadas por Xuxa e Angélica e atitude projetada por marqueteiros gananciosos. Para coroar, aqueles que têm TV a cabo já devem ter notado que, atualmente, apenas garotos recém-chegados à adolescência levantam-se em armas, quer dizer, guitarras, especialmente no canal teen Disney XD.
Então, o rock, o NOSSO rock foi morto. Será?
Voltando bastante no tempo, lembram-se com que tipo de letras, por exemplo, Elvis Presley ficou famoso? Apesar de não serem compostas por ele em sua maioria, eram tão ingênuas quanto a maioria das letras cantadas por Pe Lanza e seus apêndices. Não cantavam sobre nada além de carrões, mulheres, turnês e o próprio rock n’roll. OK que uma das músicas mais famosas do início de sua carreira, Heartbreak Hotel, falava de um suicídio, mas para toda regra há sempre uma ou outra exceção. O mesmo valia para os outros gigantes da década de 1950, como Chuck Berry, Jerry Lee Lewis e Bill Haley.
Então veio o início da década de 60, e com ele o primeiro Fordismo do rock. Quando começaram a tocar em 1959, os Beatles cultivavam a imagem de Bad Boys, usando goma no topete ensebado e jaquetas de couro, inspirados por Marlon Brando e pelo próprio Elvis. Eis que o novo empresário deles, Brian Epstein, inspirado talvez pelos Beach Boys, que irrompiam no palco usando todos roupas idênticas, resolveu vestir os garotos de terninho e gravata e tomou o mundo de assalto em 1963 com I Wanna Hold Your Hand. E assim eles continuaram bancando os bons moços por uns quatro anos e veio um monte de bandinhas inglesas e americanas de “enternados”, imitando o estilo deles, criando assim a primeira explosão de Boy Bands da música popular. Pergunta: Vocês acham que todas aquelas garotinhas que gritavam, choravam, desmaiavam e entravam em auto-combustão espontânea nas apresentações dos Beatles se importavam com o que aqueles rapazes bonitos e arrumadinhos estavam cantando?
O ponto crucial da carreira dos Beatles foi quando eles foram apresentados a Bob Dylan em 1965 e ele disse algo do tipo “Olha, caras, não me levem a mal, eu acho o som de vocês muito legal, mas as letras de vocês não querem dizer nada”. A esse encontro seguiu-se a fase regada a cores e drogas da banda e o amadurecimento de suas composições, e quando Epstein morreu de overdose em 1967, eles enfim puderam fazer as coisas à maneira deles, e assim foi até o fim da banda. Mas o caso é que a jogada de marketing do Epstein foi tão bem-feita que até hoje os fãs reverenciam muito mais a fase “bonequinha de luxo” da banda que a fase “ripongas doidões”.
Entra década, sai década, e de um jeito ou de outro o pop rock continua “firme e forte” nas paradas de sucessos. E na maioria dos casos é o rock fútil e alienante que fatura mais. Claro que, de tempos em tempos, aparece uma ou outra banda com peito pra dizer o que de fato precisa ser dito, mas ela sempre faz menos sucesso que as outras. Bobby Gillespie, líder do Primal Scream, recentemente deu uma entrevista mostrando seu descontentamento com a cena roqueira atual, como se ainda houvesse uma. Reclamou da falta de rebeldia e experimentalismo das novas bandas, que têm preferido a saída dos covardes para conseguir dinheiro e fama. Mas que seja assim mesmo, pois afinal todo roqueiro ou músico que se preze quer exatamente a mesma coisa que todo mundo quer: Conseguir pagar as contas no fim do mês. Com ou sem guitarras nas mãos, somos todos humanos.


*Trecho da música O Papa é Pop, dos Engenheiros do Hawaii

** Designer e colunista do Literário.

Um comentário:

  1. Depois da leitura não se sabe se está a favor é contra. Apenas que opinou. Brincadeira. Gostei de todos esses argumentos.

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