Bicentenário de um campeão
O escritor que mais livros vendeu no mundo, em todos os tempos (à exceção da Bíblia e do Alcorão), conforme levantamento informal feito pela enciclopédia eletrônica Wikipédia, volta a ser lembrado neste 2012 (se é que algum dia chegou a ser esquecido) por um evento que nada tem a ver com sua obra (ou talvez tenha tudo, sei lá). Ocorre que este ano marca o bicentenário de seu nascimento, ocorrido em 7 de fevereiro de 1812, na cidade inglesa de Moure, condado de Hampshire, em uma família de classe média.
Pelas indicações que dei, certamente o leitor bem informado se lembrou, sem muito esforço, de imediato, de quem se trata. Refiro-me ao campeoníssimo de vendas – o Wikipédia estimou que seu livro “Um conto de Duas Cidades”, lançado originalmente na Inglaterra em 1859, já tenha vendido mais de 200 milhões de exemplares – Charles John Huffam Dickens.
O que o tornou tão popular e requisitado se seus romances e contos sequer são tão realistas? É possível que seu êxito comercial se deva justamente a isso. Não raro, a realidade cansa e, principalmente, assusta. Volta e meia, temos necessidade, não raro premente, de nos desligarmos dela, mesmo que apenas por curtos instantes. Alguns desligam-se dela através da música, de shows, do teatro etc. Outros, recorrem aos esportes (no Brasil e na Inglaterra onde o escritor nasceu, acompanhando jogos de futebol, em estádios ou pela televisão). Não importa.
Tudo isso é uma forma de fugir temporariamente da realidade, embora muitos levem isso a extremos e se esqueçam que essa modalidade esportiva, relativamente recente (de pouco mais de um século e meio) é diversão, e só isso. Pelo menos é o que o futebol deveria ser. Quem aprecia a leitura, empreende essa “fuga” da realidade lendo autores, digamos, mais amenos.
Claro que a fórmula do seu sucesso (se é que ela exista) não é somente esta. Dickens (que chegou a adotar o pseudônimo de “Boz” em muitos dos seus textos literários) escrevia muito bem. Que o digam os estudantes de literatura inglesa dos Estados Unidos, Canadá e outros em que se fala esse idioma, principalmente, óbvio, a Grã-Bretanha. Charles Dickens é, ao lado de William Shakespeare, o escritor mais estudado e, obviamente, mais lido nesses países. Daí ocupar o topo da lista dos mais vendidos no mundo em todos os tempos.
Eu poderia abordar outros tantos pontos da vida desse extraordinário ficcionista. Poderia tratar, por exemplo, da sua biografia, das dificuldades financeiras que passou, do seu casamento e polêmica separação da mulher, Catherine Thompson Hogarth, com a qual teve dez filhos. Destaque-se que o divórcio, naquela época, era um ato altamente reprovável, mancha social que acabava com qualquer reputação. Recorde-se que a Inglaterra vivia a era vitoriana, caracterizada pela rigidez em relação a tudo o que se referisse à moral. Claro que havia muita hipocrisia em relação a isso. Muitos eram sumamente moralistas em público, posto que fossem devassos entre quatro paredes. Mas... Deixa pra lá!
Deixo para vocês pesquisarem sobre a vida desse escritor, em fontes mais abalizadas do que eu, nos inúmeros biógrafos que viraram a sua vida pelo avesso. Para mim, o fato mais relevante sobre Charles Dickens não é seu casamento, nem sua batalha para sustentar família tão numerosa e sequer seu polêmico e rumoroso divórcio. É o singular apelo popular dos seus contos e romances, que o tornaram o campeoníssimo de vendas de todos os tempos que é.
Muito contribuiu para isso o fato da imensa maioria da sua obra ter sido publicada, antes, em fascículos semanais de jornais e de revistas, para depois, quando já sobejamente conhecida pelo público, ganhar o formato de livros. Foi uma fórmula, aliás, utilizada no Brasil também por vários escritores, notadamente por um dos nossos maiores ficcionistas de todos os tempos, Machado de Assis.
Outro aspecto que fez de Charles Dickens o bem sucedido autor em que se tornou foi o fato de, embora não ser considerado “realista”, ter contribuído demais para a introdução da crítica de ficção na literatura de língua inglesa. Descreveu, em suas histórias, as lamentáveis condições de vida da classe trabalhadora, mas sem assumir atitude revolucionária e sem fazer proselitismo, fato que fez com que a burguesia assimilasse suas descrições sem melindres, ao contrário de outros escritores que faziam as mesmas descrições acompanhadas de reivindicações.
O estilo poético de Charles Dickens é outro atrativo a ser destacado. Ademais, na época do auge do seu sucesso, a população britânica era considerada a mais alfabetizada do mundo (e creio que ainda o seja). Era (e é) consumidora compulsiva de jornais e revistas, onde o escritor publicava suas histórias antes de reuni-las em livros. E fez isso por décadas, conquistando, dessa forma, público cativo e fidelíssimo.
A obrigação de escrever semanalmente, sem poder falhar nenhuma semana, desenvolveu-lhe um senso de autodisciplina que não é característico na maioria dos escritores. Daí seus romances e contos terem continuidade e coerência. Boa parte dos romancistas e contistas não é nem um pouco disciplinada. Começam um livro, interrompem-no por alguma razão, em determinado ponto, retomam-no tempo depois, às vezes tornam a interromper, e levam, não raro, alguns anos, até dá-los por concluído.
Tomo por base não somente o que observo em escritores meus amigos, mas o que ocorre comigo. Venho trabalhando em meu primeiro romance (e espero que não seja o único), cujo título provisório é “O Sinterklaas de Roterdam”, há já uma década. Minha dificuldade está em enxugá-lo, para torná-lo comercialmente viável. Há períodos em que trabalho meses seguidos nele e as coisas avançam. Todavia, volta e meia, sou forçado pelas circunstâncias a interromper a tarefa, interrupções essas que já chegaram a durar dois anos, e assim a conclusão desse livro se arrasta não sei até quando.
Tivesse a obrigação de publicá-lo em fascículos, semanalmente, como Dickens fazia, há muito o romance já estaria pronto e muitos outros já teriam sido produzidos. Leio, na Wikipédia, uma análise que considero das mais relevantes e pertinentes, sobre o conteúdo da obra desse bicentenário escritor: “Ao comparar órfãos a ações da bolsa, pessoas a barcos rebocadores, ou convidados para jantar a peças de mobília, Dickens conseguia resumir numa imagem o que descrições mais complexas não conseguiriam transmitir. Satirizou o pedantismo da aristocracia britânica com especial sarcasmo, usando imagens semelhantes a estas”.
Afinal, qual a “fórmula” do sucesso de Charles Dickens? É alguma das citadas acima? São todas simultaneamente? É alguma em particular? Em caso afirmativo, qual? Não é nenhuma? Sei lá! Para mim é tudo isso e muito mais. Resumiria tudo isso em duas únicas palavras: oportunidade e talento (sobretudo este).
Boa leitura.
O Editor.
O escritor que mais livros vendeu no mundo, em todos os tempos (à exceção da Bíblia e do Alcorão), conforme levantamento informal feito pela enciclopédia eletrônica Wikipédia, volta a ser lembrado neste 2012 (se é que algum dia chegou a ser esquecido) por um evento que nada tem a ver com sua obra (ou talvez tenha tudo, sei lá). Ocorre que este ano marca o bicentenário de seu nascimento, ocorrido em 7 de fevereiro de 1812, na cidade inglesa de Moure, condado de Hampshire, em uma família de classe média.
Pelas indicações que dei, certamente o leitor bem informado se lembrou, sem muito esforço, de imediato, de quem se trata. Refiro-me ao campeoníssimo de vendas – o Wikipédia estimou que seu livro “Um conto de Duas Cidades”, lançado originalmente na Inglaterra em 1859, já tenha vendido mais de 200 milhões de exemplares – Charles John Huffam Dickens.
O que o tornou tão popular e requisitado se seus romances e contos sequer são tão realistas? É possível que seu êxito comercial se deva justamente a isso. Não raro, a realidade cansa e, principalmente, assusta. Volta e meia, temos necessidade, não raro premente, de nos desligarmos dela, mesmo que apenas por curtos instantes. Alguns desligam-se dela através da música, de shows, do teatro etc. Outros, recorrem aos esportes (no Brasil e na Inglaterra onde o escritor nasceu, acompanhando jogos de futebol, em estádios ou pela televisão). Não importa.
Tudo isso é uma forma de fugir temporariamente da realidade, embora muitos levem isso a extremos e se esqueçam que essa modalidade esportiva, relativamente recente (de pouco mais de um século e meio) é diversão, e só isso. Pelo menos é o que o futebol deveria ser. Quem aprecia a leitura, empreende essa “fuga” da realidade lendo autores, digamos, mais amenos.
Claro que a fórmula do seu sucesso (se é que ela exista) não é somente esta. Dickens (que chegou a adotar o pseudônimo de “Boz” em muitos dos seus textos literários) escrevia muito bem. Que o digam os estudantes de literatura inglesa dos Estados Unidos, Canadá e outros em que se fala esse idioma, principalmente, óbvio, a Grã-Bretanha. Charles Dickens é, ao lado de William Shakespeare, o escritor mais estudado e, obviamente, mais lido nesses países. Daí ocupar o topo da lista dos mais vendidos no mundo em todos os tempos.
Eu poderia abordar outros tantos pontos da vida desse extraordinário ficcionista. Poderia tratar, por exemplo, da sua biografia, das dificuldades financeiras que passou, do seu casamento e polêmica separação da mulher, Catherine Thompson Hogarth, com a qual teve dez filhos. Destaque-se que o divórcio, naquela época, era um ato altamente reprovável, mancha social que acabava com qualquer reputação. Recorde-se que a Inglaterra vivia a era vitoriana, caracterizada pela rigidez em relação a tudo o que se referisse à moral. Claro que havia muita hipocrisia em relação a isso. Muitos eram sumamente moralistas em público, posto que fossem devassos entre quatro paredes. Mas... Deixa pra lá!
Deixo para vocês pesquisarem sobre a vida desse escritor, em fontes mais abalizadas do que eu, nos inúmeros biógrafos que viraram a sua vida pelo avesso. Para mim, o fato mais relevante sobre Charles Dickens não é seu casamento, nem sua batalha para sustentar família tão numerosa e sequer seu polêmico e rumoroso divórcio. É o singular apelo popular dos seus contos e romances, que o tornaram o campeoníssimo de vendas de todos os tempos que é.
Muito contribuiu para isso o fato da imensa maioria da sua obra ter sido publicada, antes, em fascículos semanais de jornais e de revistas, para depois, quando já sobejamente conhecida pelo público, ganhar o formato de livros. Foi uma fórmula, aliás, utilizada no Brasil também por vários escritores, notadamente por um dos nossos maiores ficcionistas de todos os tempos, Machado de Assis.
Outro aspecto que fez de Charles Dickens o bem sucedido autor em que se tornou foi o fato de, embora não ser considerado “realista”, ter contribuído demais para a introdução da crítica de ficção na literatura de língua inglesa. Descreveu, em suas histórias, as lamentáveis condições de vida da classe trabalhadora, mas sem assumir atitude revolucionária e sem fazer proselitismo, fato que fez com que a burguesia assimilasse suas descrições sem melindres, ao contrário de outros escritores que faziam as mesmas descrições acompanhadas de reivindicações.
O estilo poético de Charles Dickens é outro atrativo a ser destacado. Ademais, na época do auge do seu sucesso, a população britânica era considerada a mais alfabetizada do mundo (e creio que ainda o seja). Era (e é) consumidora compulsiva de jornais e revistas, onde o escritor publicava suas histórias antes de reuni-las em livros. E fez isso por décadas, conquistando, dessa forma, público cativo e fidelíssimo.
A obrigação de escrever semanalmente, sem poder falhar nenhuma semana, desenvolveu-lhe um senso de autodisciplina que não é característico na maioria dos escritores. Daí seus romances e contos terem continuidade e coerência. Boa parte dos romancistas e contistas não é nem um pouco disciplinada. Começam um livro, interrompem-no por alguma razão, em determinado ponto, retomam-no tempo depois, às vezes tornam a interromper, e levam, não raro, alguns anos, até dá-los por concluído.
Tomo por base não somente o que observo em escritores meus amigos, mas o que ocorre comigo. Venho trabalhando em meu primeiro romance (e espero que não seja o único), cujo título provisório é “O Sinterklaas de Roterdam”, há já uma década. Minha dificuldade está em enxugá-lo, para torná-lo comercialmente viável. Há períodos em que trabalho meses seguidos nele e as coisas avançam. Todavia, volta e meia, sou forçado pelas circunstâncias a interromper a tarefa, interrupções essas que já chegaram a durar dois anos, e assim a conclusão desse livro se arrasta não sei até quando.
Tivesse a obrigação de publicá-lo em fascículos, semanalmente, como Dickens fazia, há muito o romance já estaria pronto e muitos outros já teriam sido produzidos. Leio, na Wikipédia, uma análise que considero das mais relevantes e pertinentes, sobre o conteúdo da obra desse bicentenário escritor: “Ao comparar órfãos a ações da bolsa, pessoas a barcos rebocadores, ou convidados para jantar a peças de mobília, Dickens conseguia resumir numa imagem o que descrições mais complexas não conseguiriam transmitir. Satirizou o pedantismo da aristocracia britânica com especial sarcasmo, usando imagens semelhantes a estas”.
Afinal, qual a “fórmula” do sucesso de Charles Dickens? É alguma das citadas acima? São todas simultaneamente? É alguma em particular? Em caso afirmativo, qual? Não é nenhuma? Sei lá! Para mim é tudo isso e muito mais. Resumiria tudo isso em duas únicas palavras: oportunidade e talento (sobretudo este).
Boa leitura.
O Editor.
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Os talentosos nos capturam, e sem explicações estamos ávidos por mais pensamentos. Que venham, então.
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