segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012



Apologia ao presente

* Por Lêda Selma

Os que se convenceram de que o ato de presentear é algo especial e o de receber, delicioso, pediram-me que republicasse minha apologia ao presente (alguns a desconhecem). Estávamos em um aniversário, momento por demais oportuno para conclusão honestamente correta, sem os ranços do etiquetamente correto. O texto diz:

Além de alegrar, encantar, emocionar, o ato de se oferecer um presente, mimo, lembrancinha a alguém cria um elo mágico entre presenteador e presenteado. Por quê? Ora, pelo motivo mais simples e terno que reveste aquele sentimento, que até faz cócegas, de sabermos que alguém, por alguns momentos, dedicou-nos parte de seu tempo, buscou fazer-nos um agrado ao colocar carinho e sensibilidade em um pequeno (e tão enorme!) gesto: deixar para o coração a escolha do presente.

Algo de primeiríssima necessidade, o presente. Pessoalmente, considero-o mais que imprescindível. Aliás, nem posso imaginar um aniversário, Natal, Dia das Mães, Dia dos Namorados... órfãos de presentes. E não me venham com o discurso (nem um pouco romântico e tão carregado de falsa razão) do “apelo comercial”. E o apelo emocional e afetivo, não contam?! É certo que o comércio fatura. Mas o presenteado também.

Não acredito na veracidade do chavão “Não precisava se preocupar com o presente, bastava a presença!”. Soa falso. Uma heresia, ou melhor, um sacrilégio (os dois, pronto!). A presença, sem dúvida, é fundamental. O presente também. Assim, não há por que se separar um casal tão bonito, elegante, da mais alta linhagem, semântica e socialmente harmonioso: presente e presença.

“Você foi se preocupar com presente!? Bastava só a lembrança!”. Lembrança... Ah! sim, o apelido do presente! Por falar na tal, que ninguém deixe de se preocupar em me oferecer um presente. Faço conta, e muito, dessa preocupação. E não me venha com “não repare eu não ter trazido uma lembrancinha...” Reparo. E como!

Sempre considerei esteticamente feias as mãos que chegam a um aniversário desacompanhadas. Solidão constrangedora! Uma entrada nem um pouco triunfal! Presença sem presente... hum, tão sem-graça! Mesmo recebida com aparente naturalidade pela gentil pseudoconivência do despresenteado.

Não abro mão de um presente, nem avento a mais remota possibilidade de não o receber. E não só em datas especiais (a surpresa tem seu lugar). E nunca escondo a frustração quando ouço: “Depois, trago sua lembrancinha. Não tive tempo para comprá-la...”. Tempo? Um ano é pouco? Sim, porque aniversário é data fixa, ora! Imperdoável negligência desdobrada em prejuízo. Além do mais, se fossem levados a sério: “Prevenir é melhor que remediar” ou “Não deixe para amanhã o que se pode fazer hoje”, o potencial presenteado não sofreria tamanha decepção, nem o presenteador daria vexame.

Adoro o exercício de abrir caixas e pacotes: emocionante! O objeto ali, a olhar-me curioso: às vezes, malicioso, por outras, cúmplice; feliz e agradecido por eu libertá-lo da inércia dos papéis, fitas, laços, enfim, da enfadonha prisão. Ouço até tilintar de estrelas, como se em plena efusão do amor, ao despertar cada presente e senti-lo todo meu! Tal qual o eclodir de carícias, em pleno voo da poesia, toque sutil a buscar pouso na alma do verso recém-nascido. Uma sensação fantástica desembrulhá-lo, descobrir-lhe a essência e senti-lo em sua inteireza. O mesmo que liberar a criança, que se escondeu aqui dentro, por medo de crescer, para se fartar de chocolate (no meu caso, Sonho de Valsa). E qualquer um pode saborear esse instante. Basta cultivar o dom do encantamento e repudiar o ceticismo sisudo dos adultos amadurecidos à força, e que, em nome do adultamente correto, catalogam o presente como simples “lembrança material”, desprovida de importância. Não sabem eles que, ao dar a luz ao mais modesto presente, o gesto opera o milagre da materialização do afeto e do carinho, o que faz espocar a emoção, e exorciza a indiferença.

Sintam-se à vontade comigo, pois sei admirar e bem receber essa dupla de sucesso: Sua Majestade, o presente, e Sua Alteza, a presença! Belo casal! E atenção: o que a delicadeza uniu, não o separe a insensibilidade. Amém!

Momento poético:

Prefiro o silêncio das dores guardadas
e a solidão das saudades envelhecidas
ao rastro indolor do nada.

• Poetisa e cronista, licenciada em Letras Vernáculas, imortal da Academia Goiana de Letras, baiana de Urandi, autora de “Das sendas travessia”, “Erro Médico”, “A dor da gente”, “Pois é filho”, “Fuligens do sonho”, “Migrações das Horas”, “Nem te conto”, “À deriva” e “Hum sei não!”, entre outros.

Um comentário:

  1. Sei da questão que faz de receber presentes e sei ainda que tem recebido mimos do tamanho de carros importados. Isso sim é que é amor. Dos grandes.

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